Há, no Brasil, em Goiânia, capital do Estado de Goiás, um jogador chamado John Lennon, defesa direito do Vila Nova, clube fundado por um padre, frei José Belestiere, e mergulhado nos dias que correm na Série C do campeonato brasileiro. O nome completo da figura é John Lennon da Silva Santos, natural de Araguaína onde viu pela primeira vez a luz do sol no dia 29 de dezembro de 1991. Houve um tempo em que Lennon prometia, chegou a jogar pelo Cruzeiro, mas depois foi perdendo a graça e acabou por deixar de surgir nas páginas dos jornais. Certo dia, contou: «O meu tio Zé Fernando era louco pelos Beatles. Quando nasci convenceu o meu pai a dar-me o nome de Jnhn Lennon, que era o seu preferido. É giro! Gosto. Para além de original, de cada vez que faço uma busca no Google aparece um montão de matéria sobre John Lennon. Só não sou eu. É o outro».
O outro, isto é, o autêntico, não nasceu em dezembro – nasceu a 9 de outubro de 1940, teria completado na passada semana 80 anos, quem diria!? – mas morreu em dezembro, no dia 8 de dezembro de 1980, completar-se-á daqui a pouco 40 anos sobre o seu estúpido assassinato por um canalha barato, Mark David Chapman, que resolveu dar-lhe quatro tiros nas costas pouco depois de John lhe ter autografado o seu último álbum, Double Fantasy.
O Lennon de Araguaína, sobrinho do fã Zé Fernando, confessou numa entrevista que não estava nem aí para os Beatles. A sua onda é mais música sertaneja, Pena Branca & Xavantinho, Zé Carreiro & Carreirinho, Milionário & José Rico, Adolfinho & Chitãozinho e o diabo a quatro, que lhe faça bom proveito, não estou aqui para discutir gostos musicais. Mas o Lennon de Liverpool foi sempre muito dúbio em relação à afeição que sentia pelo association, mesmo vivendo a infância e adolescência numa cidade que faz do futebol uma espécie de pão de cada dia nos dai hoje. Quem gostava a sério de futebol e adorava o Liverpool FC, era o seu pai, Alfred, um marinheiro de ascendência irlandesa que passava o tempo embarcado e não tinha nem tempo para ir ver jogos a Anfield nem tempo para acompanhar os progressos de John na sua carreira musical. Apesar de ter herdado a preferência clubística do pai, quando resolveu ilustrar o seu álbum Walls and Bridges, de 1974, John Lennon escolheu um desenho que rabiscara aos 11 anos de idade e que representava um encontro entre Arsenal e Newcastle, mais precisamente a final da Taça de Inglaterra de 1952. Liverpool ficou de fora.
Lennon tinha jeito
Dizem os que os conheceram que Paul McCartney era o único que se dava verdadeiramente ao trabalho de apreciar futebol. Lennon gostava de dar uns toques na bola e o seu colega Pete Best (o baterista que viria a ser substituído por Ringo Starr) afirmou convicto que ele tinha mesmo jeito para o jogo, se calhar até mais do que o Lennon do Vila Nova, mas por aí se ficava: «Quando éramos garotos, no geral, ou queríamos ser futebolistas ou músicos. No nosso grupo, toda a gente preferiu a música. Mas é bem possível que John viesse a ter futuro como profissional, ainda que nada de por aí além».
Discute-se igualmente por entre o universo dos estudiosos dos Beatles qual deles resolveu colocar um jogador de futebol naquela extraordinária e psicadélica capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, datada de 1967. Albert Stubbins, prolífico avançado do Liverpool entre 1946 e 1953, entrou mesmo: está na terceira fila daquele nunca mais de personagens, metido no meio de um escultor americano, Horace Cliff Westermann, e de um daqueles gurus que a teimosia indiana de George Harrison não admitia discutir, Lahiri Mahasaya.Para equilibrar as contas entre os dois grandes rivais da cidade, Dixie Dean, goleador do Everton entre 1925 e 1937, esteve vai não vai para ficar igualmente para a história dessa assanhada loucura em forma de capa, mas acabou por ser preterido à última hora. Garantem alguns que Stubbins foi escolhido pelo nome: Lennon gostava da sua sonoridade. O facto é que entre os milhares e milhares de letras escritas pelos rapazes de Liverpool só em Dig It surge um nome relacionado à matéria, ainda por cima o de Matt Busby, lendário treinador do Manchester United, e apenas no jam final de vozes que vai escorrendo numa mistura sem sentido concreto: «A like a rolling stone/Like the FBI and the CIA/And the BBC/BB King/And Doris Day/Matt Busby/Dig it, dig it, dig it». Estaria Lennon disposto, se tivesse chegado aos 80 anos, a fazer-se fotografar nas bancadas de Anfield? Vá lá saber-se. Chapman riscou-o do resto da história. Já Harrison preferia o nonsense: «There are three teams in Liverpool and I prefer the other one». Pois. Era mesmo para não se perceber.