Num ano de pandemia, crise económica, tensões raciais, incêndios descontrolados e um número recorde de furacões nas costas dos EUA, o Presidente Donald Trump tem tudo para conseguir a grande vitória que tanto precisava antes das eleições de 3 de novembro: a confirmação da conservadora Amy Coney Barrett, de 48 anos no Supremo Tribunal. Com apoio da maioria dos senadores, Trump terá o raro privilégio de nomear o seu terceiro juiz do Supremo, podendo determinar o rumo do país durante gerações. É o culminar de um projeto pensado muito antes de Trump chegar sequer à política, por mentes como Mitch McConnell, líder republicano no Senado
“O Senado está a fazer a coisa certa. Estamos a mover esta nomeação para a frente e amanhã à noite teremos um novo membro do Supremo Tribunal”, congratulou-se no domingo McConnell, para desespero dos democratas, que queriam que fosse o próximo Presidente a decidir quem ocuparia o lugar.
Há anos que McConnell, que ocupa o seu posto desde 2006, tem fama de cruzado incansável pelo controlo republicano do aparelho judicial, dos cargos mais baixos até ao topo. “Sabes qual é a coisa mais importante no mundo inteiro para o Mitch? Os juízes dele”, contou o próprio Trump, em entrevista com Bob Woodward, o jornalista que revelou o escândalo Watergate. “Ele pede-me sempre, ‘por favor, aprove outro juiz em vez de confirmar 10 embaixadores’”.
A cruzada de McConnell tornou-se visível sobretudo nos anos da administração de Barack Obama, quando os republicanos, apesar de serem uma minoria, conseguiram bloquear quase todas as suas nomeações de juízes federais. Desesperados, os democratas até aprovaram uma lei que impedia minorias de bloquear votações – algo que lhes custou caro durante a confirmação de Barrett, que não conseguiram bloquear. Ainda assim, na altura as novas regras serviram para Obama nomear 55 juízes para tribunais superiores, em oito anos; Trump em quatro anos nomeou 53.
Mesmo na escolha de juízes por Trump, as impressões digitais do pragmatismo de McConnell são visíveis. A maioria dos nomeados são muito mais jovens que o habitual, nos seus 30, 40 anos, com carreiras longas pela frente. Quase sete em cada dez são homens brancos, num país cada vez mais diverso.
“Temos 200 juízes, com mais brancos do que vimos desde a Administração Reagan, que certamente foi um retrocesso a nível de diversidade também”, notou Chris Kang, fundador do grupo Demand Justice, à NBC.
“Acabámos com um sistema judicial que está mesmo desligado do nosso país”, concordou Vanita Gupta, dirigente da Leadership Conference on Civil and Human Rights. Contudo, para Kang, talvez o mais preocupante seja o conservadorismo destes novos juízes. “Estes são juízes muito mais extremos que qualquer um que até o Presidente George W. Bush tenha colocado numa bancada”, avisou à NPR. “Mesmo que Donald Trump seja afastado em janeiro, estes juízes vão tomar decisões durante décadas”.
Contudo, se os tribunais federais definirão muita coisa, desde a aplicação de direitos laborais, à saúde, ao aborto, a joia da coroa é a última instância, o Supremo Tribunal. Aqui, McConnell foi particularmente incansável, recusando sequer votar um juiz nomeado por Obama, no seu último ano de mandato, defendendo que deveria ser o próximo Presidente a decidir.
Foi uma aposta arrojada, que deixou o dirigente republicano exposto a acusações de hipocrisia por nomear Barrett a uns dias de eleições, mas funcionou, deixando uma vaga para Trump preencher. O mesmo se passou a nível vagas para juízes federais, dezenas das quais deixadas em aberto para o novo Trump – são como “pepitas de ouro”, descreveu este a Woodward.
As hipóteses de uma nova Administração nomear rapidamente mais juízes, para diluir os deixados por Trump, são baixas. “Quando partirmos desta câmara hoje, não haverá uma única vaga no circuito judicial, em lado nenhum da nação, pela primeira vez em 40 anos”, congratulou-se McConnell em junho, quando aprovava o seu 53º juiz para um tribunal superior nomeado por Trump.