Perante a indiferença de muitos, a Igreja resiste como a única estrutura de apoio e de acolhimento às populações agredidas, sofrendo, ela própria, com a violência que se tornou o novo dia-a-dia naquele território.
O quadro, infelizmente, não é inédito. O mundo e a história estão repletos de casos em que comunidades são abandonadas e que sofrem as consequências dos interesses (ou desinteresses) de grupos, Estados ou da comunidade internacional. Quem sofre mais são sempre os mais frágeis, o que torna ainda mais gritante esta injustiça.
Em Cabo Delgado o terrorismo tem rostos: jihadistas, traficantes de droga de rubis e de marfim, e mercenários ao serviço destes grupos. E tem vítimas: diariamente, pessoas são desalojadas, espoliadas dos seus parcos bens, agredidas, mortas, mulheres violadas, crianças raptadas, igrejas e estruturas de apoio à população queimadas e destruídas. O terror tomou conta daquele território. Desde 2017, milhares de pessoas foram mortas e centenas de milhares foram desalojadas e deslocadas.
O norte de Moçambique sofre, há décadas, as consequências da guerra civil que se manteve até aos anos noventa, agravadas por ser uma região extremamente pobre e em que o Estado nunca conseguiu ter uma presença suficiente. Também por esse motivo, o tráfico de marfim e de droga foi vingando. Mais recentemente (há cerca de dez anos), a descoberta de reservas de gás natural ao longo da costa desta região introduziram novos fatores de desequilíbrio e injustiça social com a avidez da miragem do lucro a mascarar a miséria da população. Entretanto, o advento dos grupos jihadistas naquela região do mundo (com forte influência muçulmana) encontrou as condições adequadas e o espaço para se instalarem.
Cabo Delgado transformou-se numa área progressivamente tomada por grupos fundamentalistas islâmicos, beneficiando da escassez de um Estado organizado, da fragilidade social e da indiferença da comunidade internacional. A ocupação, de facto, do território, tem sido brutal, com toda a sorte de violência sobre a população e, de forma particularmente perversa, sobre a Igreja Católica que se mantém como a única entidade presente no apoio à comunidade.
Não podemos ficar indiferentes perante este drama humanitário. Não podemos admitir este esquecimento nas notícias, pelos governos e nas consciências. Mais do que conveniências ou interesses, a situação ultrajante para a dignidade humana deve determinar a intervenção da comunidade internacional quando se verifica a incapacidade de resolução da situação por parte do Estado moçambicano.
Em cada dia que passa, perante a inação da comunidade internacional, pessoas são violentadas ou mortas em Cabo Delgado. Em cada dia que passa sem intervenção a dignidade humana é colocada em causa. Em nome do respeito pelos direitos humanos e da dignidade da própria comunidade internacional, impõe-se uma intervenção militar que ponha termo à barbárie que é perpetrada, todos os dias, a seres humanos como nós.
Para que a violência em Cabo Delgado não tenha como cúmplices o Estado moçambicano, a comunidade internacional e a indiferença de cada um, importa agir.