O Governo procura evitar a todo o custo um novo confinamento total mas nas audiências prévias ao conselho de ministros deste sábado, onde ficará fechado o pacote de medidas para tentar travar a subida de casos no país, ficaram duas ideias: as medidas deverão ser progressivas e aplicadas cirurgicamente em função de análises de dados robustas e um novo confinamento global, se necessário, deverá ser usado apenas mais à frente. Esta sexta-feira, a hipótese de um confinamento de duas semanas no início do dezembro foi mesmo colocada aos líderes partidários que estiveram em São Bento reunidos com o primeiro-ministro, apurou o SOL, isto além da hipótese de um recolher obrigatório durante o mês de novembro. A reintrodução do teletrabalho, alargamento do desfasamento de horários, reforço de transportes e diferentes horários de encerramento, bem como ensino misto ou à distância nas zonas de maior transmissão ou alunos mais velhos, poderão também ser equacionadas.
Segundo o SOL apurou, as medidas, decisões e ponderações que o Governo tem em mãos serão guiadas pelos mapas de risco desenvolvidos pela DGS e academia, tendo em conta a incidência de novos casos por 100 mil habitantes a 14 e sete dias mas também a evolução dessa incidência e o tipo de transmissão que existe nos diferentes locais: se são surtos contidos, se há transmissão comunitária e cadeias de transmissão não identificadas ou mesmo o RT. Apesar de vários apelos nesse sentido, e ontem a recomendação tornou a ser feita pelo gabinete de crise da Ordem dos Médicos, o Governo não tem disponibilizado mapas de risco para o país e ontem na conferência de imprensa da DGS o secretário de Estado da Saúde Diogo Serras Lopes sublinhou que são «instrumentos de trabalho», afastando a sua divulgação.
Neste momento, os dados por concelho disponibilizados pela Direção Geral da Saúde às segundas-feiras permitem apenas uma imagem parcial do que se passa nas diferentes localidades, o que ficou patente nas últimas semanas com intervenções de autarcas do Norte. Em Paços de Ferreira, onde os novos casos reportados nos boletins da DGS andam à volta dos mil na últimas duas semanas – o que faz deste concelho o que no país tem maior incidência atendendo à sua população de 56 mil habitantes – estão muito abaixo do que se viveu e vive ainda no coração do Vale do Sousa. Esta semana, à SIC, o presidente da Câmara, Humberto Brito, indicou que chegaram a ter 250 novos casos por dia no concelho, que entretanto junto com Lousada, Felgueiras foi alvo de medidas mais restritivas na semana passada. Esta semana houve uma ligeira diminuição, mas noutros concelhos do Norte como Matosinhos houve um aumento de casos, indicou a presidente da Câmara também socialista Luísa Salgueiro. Em Matosinhos, a positividade nos testes tem rondado os 22% e o município pediu ao Governo para fechar escolas e encerrar centros comerciais às 21h.
O pedido de medidas mais duras, do recolher obrigatório a outras, foi deixado por diferentes autarcas do Norte. Já o presidente da Câmara Municipal do Porto, concelho de acordo com os dados disponíveis no boletim da DGS com uma incidência de 548 novos casos por 100 mil habitantes no período de 14 dias entre 12 e 26 e outubro, disse aguardar as decisões do Conselho de Ministros, defendendo medidas específicas e generalizadas a todo o território em vez de medidas avulsas e que a população não entende.
Medidas em concelhos do Norte mas também em Lisboa
Analisando os boletins da DGS ao longo dos últimos dias, a situação na região Norte é de longe a que tem tido um maior agravamento epidemiológico: com os dados reportados ontem, a incidência subiu para os 680 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, ou seja, no período de 16 a 30 de outubro. É mais de duas vezes o patamar de risco mais elevado definido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, fixado nos 240 casos por 100 mil habitantes. A nível nacional, passou-se o patamar dos 400 casos por 100 mil habitantes. Depois do Norte, a região de Lisboa e Vale do Tejo é a que regista maior incidência: 318 casos por 100 mil habitantes.
Segundo o SOL apurou, a auscultação dos diferentes especialistas consultados pelo Governo apontou no sentido de serem adotadas medidas nos concelhos com maior incidência e aumento de casos, expectavelmente no Norte mas também na grande Lisboa ou mesmo em concelhos do interior onde tal se configure necessário em função do tipo de transmissão – um surto num lar que gere muitos casos será diferente de uma realidade em que a infeção se estende à comunidade e há várias cadeias de transmissão.
Além da elevada incidência em Felgueiras, Lousada e Paços de Ferreira, os concelhos limítrofes como Penafiel ou Paredes registaram também números elevados de casos nas últimas semanas, bem como o grande Porto no geral. Na área metropolitana de Lisboa, Sintra e Lisboa são os concelhos com maior incidência_(na casa dos 340 casos por 100 mil habitantes). A partir dos dados atualizados pela DGS na última segunda-feira, que incluem apenas 65% dos casos reportados no país na última semana (os boletins da DGS incluem apenas na informação por concelho dos casos inseridos pelo médicos no sistema Trace-Covid, e não as notificações feitas pelos laboratórios em que ainda não foi confirmado em que morada está o infetado), o SOL desenhou um mapa que dá uma ideia da situação dos diferentes concelhos. Se há duas semanas havia 25 concelhos acima dos 240 casos por 100 mil habitantes, mais uma vez tendo apenas os casos em que os médicos inseriram essa informação e que foram transpostos para o boletim da DGS, na última semana subiram para 46.
O SOL sabe que a metodologia para os também já chamados ‘semáforos de risco’ entregue ao Governo define o patamar de 480 casos por 100 mil habitantes para definir um nível de maior risco de transmissão e permitir mais um patamar de reflexão, havendo no entanto entre os peritos quem defenda que em localidades com muitos casos e transmissão comunitária, as medidas para terem um efeito preventivo devem ser tomadas antes de se chegar aí. Aplicando esse patamar às incidências calculadas a partir dos dados divulgados no início da semana pela DGS, são pelo menos 11 os concelhos que passaram esse nível de risco (a vermelho mais escuro no mapa): Paços de Ferreira, Lousada, Vizela, Mogadouro, Borba, Felgueiras, Belmonte, Porto, Vila Flor, Beja e Marco de Canavezes e outros aproximam-se (ver ao lado). Acima dos 120 mil casos por 100 mil habitantes há 117 concelhos, quando na semana anterior com dados disponibilizados pela DGS eram 72.
Norte com ocupação de 88% nos cidados intensivos
A pressão sobre os hospitais fruto do aumento de casos nas últimas semanas sente-se de resto tanto na região Norte como na Grande Lisboa, tendo atingindo mais de 80% da capacidade atualmente reservada para a covid-19 – ainda expansível, garante o Governo.
Na região Norte, ao final do dia estavam ocupadas 89% das camas em enfermaria e 88% de cuidados intensivos – aumentar capacidade implicará redução de atividade programada.
«Estamos em conversação com outros hospitais privados para celebração de convenções em caso de necessidade, sendo que, até este dia, apenas efetuamos uma com o Hospital-Escola da Universidade Fernando Pessoa e estabelecemos um acordo de colaboração com o Hospital Militar do Porto, para a colocação de doentes portadores de doença Covid-19», garantiu a ARS Norte, onde estão internados a maioria dos doentes no país e que esta semana enviou os primeiros 15 doentes para o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa em Gondomar.
Na região de Lisboa, a ocupação era ontem de 82% em enfermaria e 84% em UCI, estando no segundo de três níveis de contingência. A ARS adiantou ao SOL que ontem estavam internados na região 566 doentes em enfermaria e 93 em cuidados intentivos.
Em Lisboa, os hospitais privados não se mostraram esta semana disponíveis para receber doentes covid-19 no imediato e sem um plano apresentado pela tutela para a intervenção do setor no combate à pandemia.