Ainda não são conhecidas as empresas, as entidades ou os consórcios escolhidos de forma definitiva pelo Governo que receberão financiamentos públicos para a produção, transporte e comercialização de hidrogénio. No entanto, dois projetos estão a ser avaliados pelo Executivo e um deles trata-se do H2Sines, que o SOL sabe que está a ser escrutinado pelo Ministério Público (MP) e não pela Polícia Judiciária (PJ). Tal como se pode ler na edição da revista Sábado desta semana, são desconhecidos "sobretudo aqueles que vão conseguir a fatia de leão dos financiamentos públicos que contemplam subsídios milionários que poderão manter-se até 2050", porém, o H2Sines será objeto de um estudo de viabilidade por entidades nacionais como a EDP ou a Galp que integram o consórcio que se encontra sob investigação.
Recorde-se que o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e o secretário de Estado do PS, João Galamba, foram referidos como suspeitos num processo por indícios de crimes de corrupção e de tráfico de influência. A notícia foi avançada pela revista Sábado na passada quinta-feira, sendo que em causa está o lançamento do projeto nacional do hidrogénio verde. Mas para o órgão de informação, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) terão outros alvos como António Mexia, Manso Neto – ex-CEO da EDP/EDP Renováveis -, Carlos Costa Pina – antigo secretário de Estado do Tesouro e administrador da Galp – assim como Carlos Martins, chairman da Martifer. A denúncia remontará a 2019, tendo sido alegadamente apresentada ao Ministério Público com base no alerta para suspeitas de favorecimento de grupos empresariais no plano nacional do hidrogénio.
Foi igualmente transmitido que a investigação criminal se encontra numa "fase avançada". A Sábado mencionou que o procurador e a equipa da PJ já "terão recolhido indícios de terem sido praticados crimes durante os meses em que os membros do governo estiveram a realizar encontros com pré-candidatos privados" nos negócios do hidrogénio. Consequentemente, as autoridades estarão atentas às relações existentes "entre membros do governo e elementos de grandes empresas privadas do consórcio integrado pela EDP, Galp, REN, Martifer e Vestas". É de referir que António Costa, em entrevista à Antena 1, esclareceu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que "há uma investigação em aberto, mas que não há sequer suspeitos". Num comunicado enviado às redações, o Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) especificou que "não havendo nenhuma aprovação, nenhum contrato, nenhum financiamento e, consequentemente, nenhum pagamento, é inexplicável o teor da denúncia noticiada pela Sábado".
O que é o hidrogénio verde?
O hidrogénio é um combustível universal e habitualmente considerado leve e muito reativo. Esta nova geração, o hidrogénio verde, é gerado através do processo de eletrólise. Ou seja, a corrente elétrica separa o hidrogénio do oxigénio que existe na água. Deste modo, se conseguirmos produzir eletricidade por meio desta fonte renovável, estaremos a produzir energia sem emitir dióxido de carbono na atmosfera. As vantagens indicadas são a redução das emissões de CO2, a promoção do investimento, das competências e de novos empregos que supostamente conduzem ao desenvolvimento económico nacional. Este hidrogénio pode ser utilizado em diversas áreas, como a dos transportes constituindo uma energia auxiliar para camiões, aeronaves, comboios e navios.
Segundo a Agência Internacional de Energia, produzir hidrogénio verde ao invés do cinza – aquele que envolve o uso de derivados de petróleo como o gás natural, não conduzindo a uma pegada ambiental zero – pode levar à poupança de 830 milhões de toneladas anuais de CO2 que se originam através da produção de hidrogénio por combustíveis fósseis.
H2Sines
No passado mês de julho, os parceiros do consórcio assinaram um memorando de entendimento para estudar a viabilidade da criação de uma cadeia de valor para a exportação de hidrogénio de Sines para o Norte da Europa, com vista ao consumo interno também. Para garantir a viabilidade financeira do projeto, previa-se que fosse desenvolvido gradualmente para que os volumes de produção, o consumo de hidrogénio e a competitividade de custos fossem otimizados. À época, órgãos de informação como o ECO Online explicaram que a instalação piloto de eletrólise seria de 10 megawatts (MW), que poderia ser expandida para 1 gigawatt (GW) ainda nesta década. Este valor almejado pelo consórcio seria apoiado por aproximadamente 1.5 GW de capacidade de energias renováveis para alimentar os eletrolisadores (dispositivos através dos quais se realiza a eletrólise, isto é, um processo não espontâneo que converte a energia elétrica em energia química). Deste modo, a produção de hidrogénio verde abrangeria a inclusão da geração de eletricidade renovável, produção e distribuição de hidrogénio, o seu transporte, armazenamento, venda e exportação.
A 27 de julho, no seu site oficial, a EDP descrevia o H2Sines como um projeto que "visa implementar um cluster industrial de produção de hidrogénio verde com base em Sines", sendo que compreende "uma importante dimensão internacional, tanto pela vocação exportadora do projeto, como pela mobilização de parceiros com vasta experiência na cadeia de valor do hidrogénio". No mesmo comunicado, a companhia de energia especificou que o projeto pretendia dar resposta "ao desafio lançado pelo Governo português no âmbito da Estratégia Nacional para o Hidrogénio, muito particularmente na sua dimensão exportadora, mas também pelo contributo potencial que se prevê que venha a dar na transição do tecido industrial português para uma matriz energética sustentável", tendo salientado também que o mesmo cumpria "todos os critérios para uma candidatura ao estatuto de Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI)".
Qual é a importâcia da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2020?
Volvidos três dias, a 30 de julho, na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, o Governo aprovou a resolução que definia a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2). O Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, evidenciou que "é fundamental a presença do hidrogénio nas cadeias de valor". É de realçar que, naquele dia, foi também noticiado que a Estratégia havia sido sujeita a consulta pública e complementada com a organização de seis sessões de debate "com agentes da área da Inovação e Desenvolvimento, Indústria, Transportes, Energia, Formação, Qualificação e Emprego". Matos Fernandes avançou que a EN-H2 previa um investimento de sete mil mihões de euros bem como a representação de 5% no consumo final de energia no ano de 2030. Também foi referido que se ambicionava a redução da importação de gás natural entre 380 e 740 milhões de euros e a criação de 8500 a 12.000 novos empregos (diretos e indiretos).
O SOL consultou as 36 referências a Sines presentes na resolução e constatou que a denominação H2Sines não é utilizada, mas a sua menção surge de forma indireta em excertos como "(…) considerando que o projeto de hidrogénio verde em Sines apresenta potencial para constituir ou integrar um Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI), durante 2020 será dada continuidade aos trabalhos de preparação e posterior submissão de uma candidatura ao IPCEI Hidrogénio, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento da cadeia de valor industrial em torno do hidrogénio verde". A sua vez, o consórcio formado pelas empresas apontadas pelas empresas EDP/Galp, REN, Martifer e Vestas é destacado em passagens como "este projeto está a ser pensado e estruturado para ser executado sob a forma de um consórcio que contará com empresas portuguesas e holandesas, não estando ainda nesta fase descartada a participação de empresas de outros Estados-Membros que abranjam toda a cadeia de valor pensada para este projeto".
O que é a Estratégia Nacional Para o Hidrogénio?
Através da consulta da nota de imprensa relativa à divulgação da EN-H2, no âmbito do Conselho de Ministros do dia 30 de julho, compreende-se que os objetivos da produção de hidrogénio verde em Sines são: a produção de energia solar e eólica com recurso à instalação de uma unidade industrial com capacidade de eletrolisadores de pelo menos 1GW até 2030 para que a cidade possa ser posicionada "como um importante centro de produção de hidrogénio verde", a descarbonização do setor dos transportes pesados e o apoio às infraestruturas de abastecimento de hidrogénio; a descarbonização da indústria nacional (subsetores químico, extrativo, do vidro, da cerâmica e do cimento); a criação de um laboratório colaborativo para o hidrogénio que seja uma referência nacional e internacional; a formalização da candidatura ao IPCEI.
A denúncia caluniosa evocada por Siza Vieira
No mesmo dia em que a Sábado foi para as bancas, Siza Vieira deu uma conferência de imprensa em que anunciou que os novos apoios às empresas implicarão um financiamento global de 1.550 milhões de euros, dos quais 750 milhões para subsídios às pequenas e médias empresas mais afetadas pela crise. Porém, abordou também a queixa-crime que apresentou à PGR por aquilo que considera ser uma "denúncia caluniosa", caso se confirme que o processo tem na origem uma denúncia.
"Pedi que considerasse a minha comunicação como uma queixa-crime pela prática de crime de denúncia caluniosa, porque os factos que eventualmente – não sei exatamente quais são – me são imputados não têm qualquer fundamento, designadamente naquelas matérias que são enunciadas na revista SÁBADO", explicou o governante que pediu mais informação sobre o processo para entender se está ou não a ser visado. Se for essa a situação, deseja ser ouvido formalmente pelas autoridades. Siza Vieira esclareceu igualmente que "os factos enunciados na revista são públicos e perfeitamente conhecidos", sendo que não concorda com a existência do alegado favorecimento do consórcio. "O Governo aprovou uma estratégia de hidrogénio e eu participei num conjunto de eventos públicos em que a estratégia do hidrogénio foi discutida. E tive reuniões com empresas, como aliás tenho com dezenas de empresas todos os meses”, disse.
De acordo com informação veiculada pelo Diário de Notícias, uma fonte da PGR confirmou "apenas a existência de um inquérito a correr termos no DCIAP" e declarou que "o mesmo encontra-se em investigação, não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça".
A posição de João Galamba
O MAAC divulgou a informação de que o secretário de Estado Adjunto e da Energia transmitirá à PGR a sua "total disponibilidade" para prestar os esclarecimentos necessários em relação ao processo noticiado pela SÁBADO. Galamba pretende seguir a mesma linha de atuação que Siza Vieira e apresentar queixa-crime por denúncia caluniosa.
"Absolutamente descansado"
É desta forma que o primeiro-ministro manifesta aquilo que sente em relação à investigação sobre o projeto de hidrogénio verde. Em entrevista à Antena 1, António Costa assumiu que confia nas instituições e no Estado de Direito, rematando que "há um comunicado da PGR dizendo que há uma investigação em aberto, mas que não há sequer suspeitos. Portanto, não há uma investigação do ministro, nem investigação do secretário de Estado", concluindo que "as investigações pressupõem a existência de suspeitos". O dirigente disse também que acredita que "há uma coisa a que nos temos de habituar", continuando o raciocínio: "Uma das grandes garantias que os portugueses podem ter é que, em Portugal, ninguém está acima da lei e a justiça é absolutamente independente. E, portanto, seja quem for, quando houver uma suspeita, a justiça investiga". Desta forma, "eliminam-se dúvidas e não se anda com suspeições".