A construção de um novo hipermercado em Vila Verde, no distrito de Braga, está a causar polémica e revolta entre a população, com a oposição local (do PS) a acusar o Executivo municipal (do PSD) de ter «adulterado» a ata da reunião da Câmara em que terá sido apreciado o projeto. Os socialistas vilaverdenses garantem ter votado contra a obra, mas na ata da reunião, datada de 7 de setembro, o seu sentido de voto surge registado como ‘abstenção’ – e esta ‘ata’ não está assinada pelos próprios.
O vereador do PS da Câmara de Vila Verde, José Morais, afirma ao SOL que a reunião decorreu durante «mais de duas horas» e que «os vereadores do PS mantiveram sempre a intenção de votar contra» a construção do hipermercado. O autarca alega que, no fim desse período, devido ao adiantado da hora, o presidente António Vilela terá decidido interromper a reunião, agendando novo encontro para o dia seguinte – onde deveria decorrer a votação formal do projeto. No dia seguinte, porém, a ata do encontro terá surgido redigida e concluída, contendo quatro votos a favor dos elementos que constituem o Executivo social-democrata e três abstenções dos vereadores do PS.
E é precisamente neste ponto que começam a surgir contradições sobre o que se passou.
A vereadora do PSD, Júlia Fernandes – casada com o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes (considerado um dos sete deputados do Parlamento mais influentes, pelo ranking da Votewatch referente a este ano) –, assume a defesa do Executivo, mantendo outra versão dos acontecimentos. Júlia Fernandes diz ao SOL que «a reunião durou até às 13h00, foi dada por terminada e não houve qualquer adiamento». O jornal local O Minho contraria, todavia, esta versão, pois no dia 8 de setembro noticiava que a reunião tinha, de facto, sido adiada, num artigo onde inclui mesmo uma declaração do presidente António Vilela, onde este afirmava que «ainda não há nenhuma decisão» sobre o hipermercado.
A troca de argumentos prosseguiu na reunião seguinte, a 21 de setembro. Neste encontro, os vereadores do PS recusaram assinar a ata da reunião anterior, voltando a reafirmar que votaram contra o projeto. Os vereadoresdo PSD, por sua vez, acusaram os socialistas de «ficcionar os factos». O presidente António Vilela negou ter adiado a votação ou que tivesse sequer prestado, por essa altura, quaisquer declarações ao jornal O Minho.
Entretanto, as obras para a construção do novo hipermercado, na rotunda do Bom Retiro, prosseguem a bom ritmo. O projeto continua a não merecer consenso na localidade, e as críticas, não só da oposição socialista, mas também da população, mantêm-se, prometendo até subir de tom nos próximos tempos. O SOL apurou que um grupo de cidadãos de Vila Verde tem vindo a movimentar-se no sentido de avançar com uma ação popular na Justiça que permita contestar a legalidade do projeto e travar a construção do hipermercado.
Um dos maiores críticos do projeto continua a ser o vereador do PS, José Morais, que através do seu canal de YouTube tem publicado vídeos para alertar para as alterações negativas na zona decorrentes das obras e da nova infraestrutura. José Morais avisa para o aumento do trânsito automóvel, do barulho e de uma deterioração da qualidade de vida dos moradores daquela área.
Também um grupo de moradores e comerciantes locais já se manifestou contra o projeto, tendo enviado um comunicado ao jornal local Semanário V, publicado no dia 24 de outubro, onde aponta para uma série de ilegalidades na construção do hipermercado, dando ênfase ao barulho e à sujidade nas vias, decorrentes das obras.
Vereadora acusada de favorecer familiares
Mas nem só o novo hipermercado tem vindo a alimentar as polémicas em Vila Verde. No ‘olho do furacão’ surge quase sempre o nome de Júlia Fernandes, apontada como possível candidata social-democrata à presidência da Câmara nas próximas autárquicas. A vereadora, atualmente com o pelouro da Educação, Cultura e Ação Social, tem vindo a ser publicamente acusada pelo PS de utilizar a sua posição na autarquia para benefício pessoal e dos seus familiares. Uma rede de influências que terá alegadamente favorecido várias associações e empresas com ligações a Júlia Fernandes e ao seu marido.
O vereador socialista José Morais tem usado frequentemente as redes sociais e os meios de comunicação social locais para denunciar alegados abusos de poder.
Também Paulo Marques, do CDS de Vila Verde, várias vezes apontou o dedo a Júlia Fernandes, acusando-a, por exemplo, em comunicado, em junho passado, de ser «um lobo que se quer fazer passar por cordeiro».
Como exemplo destas práticas, surge o caso do jornal local Terras do Homem, propriedade da empresa Terraimagem, que, apesar de manter uma presença online escassa e uma circulação física quase nula, terá recebido, em 2019, fundos da Câmara Municipal no valor de vinte mil euros. Ora, a Terraimagem é propriedade, em parte, de Filipe Alves Fernandes, primo do eurodeputado José Manuel Fernandes (marido de Júlia Fernandes), enquanto Emílio Rodrigues, o principal redator do Terras do Homem, é irmão de Júlia Fernandes e cunhado de José Manuel Fernandes.
Em declarações ao SOL, Júlia Fernandes nega as acusações, garantindo que «nenhum jornal da região recebe apoios da Câmara Municipal. Nem o Terras do Homem, nem o Semanário V, nem O Minho», acrescentando, por isso, que «não percebe a polémica». Confrontada com as transferências feitas pela autarquia para o Terras do Homem, a vereadora justifica que o contacto entre Câmara e órgãos de comunicação social locais se prendem exclusivamente para requisição de «valores para publicidade».
Igualmente controverso foi o pedido de Júlia Fernandes para que a Câmara de Vila Verde atribuísse um apoio de vinte mil euros à cooperativa municipal Aliança Artesanal, presidida por… Júlia Fernandes. O pedido acabou, no entanto, por não avançar, tal como confirma a vereadora ao SOL, depois de a proposta ter sido retirada pelo próprio presidente da autarquia social-democrata, António Vilela. Ainda assim, Júlia Fernandes considera que o apoio seria legítimo, pois serviria para «colmatar os danos causados pela pandemia, que diminuiu o número de encomendas e causou prejuízos nos três meses em que a associação, que emprega duas pessoas, fechou, bem como para realizar dois projetos do Portugal 2020 a que nos vamos candidatar, e para os quais é preciso ter fundos para desenvolver».
Em novembro de 2019, o presidente da Câmara de Vila Verde, António Vilela, viu-se envolvido como arguido num processo em que era acusado pelo Ministério Público dos crimes de corrupção, prevaricação e participação económica em negócio. Na sequência do caso, Vilela demitiu-se de presidência da concelhia vilaverdense do PSD, mantendo a sua posição como presidente da Câmara.
Perfis falsos investigados
Para a liderança da estrutura concelhia passou José Manuel Lopes. E, com as autárquicas de 2021 a aproximarem-se, começam também as movimentações para se escolher quem vai ocupar o lugar de António Vilela – impossibilitado de concorrer devido à lei da limitação dos mandatos – como candidato social-democrata à liderança da autarquia.
Apesar de José Manuel Lopes ser, em teoria, a aposta natural, o SOL apurou que a vereadora Júlia Fernandes tem intenções de avançar para a corrida. O polémico apoio do executivo camarário ao Terras do Homem tem mesmo sido ligado à estratégia pré-eleitoral de Júlia Fernandes, acusada de tentar utilizar o jornal a seu favor. Pelo menos, é essa a leitura do diretor do concorrente Semanário V, Paulo Moreira Mesquita, que, num artigo sobre o tema, questiona se o Terras do Homem pode ainda «vir a tempo das autárquicas de 2021». Outra acusação é a de que Júlia Fernandes e o seu marido José Manuel Fernandes estarão envolvidos na criação de perfis falsas nas redes sociais (os chamados bot), numa tentativa de influenciarem a opinião pública local. Em maio, o jornal Público noticiou que o líder do CDS-PP de Vila Verde,
Paulo Marques, levou mesmo o caso ao Ministério Público, alegando que essas contas falsas serviam apenas para comentar e partilhar favoravelmente publicações no Facebook do executivo, de Júlia Fernandes e do seu marido José Manuel Fernandes, assim como conteúdos publicados no jornal Terras do Homem. Após a denúncia, as contas ‘desapareceram’ sem deixar rasto.