Tancos: Marcelo afirma que nunca falou com diretor da PJ Militar

O Presidente da República diz que soube sobre a encenação do roubo no dia 25 de julho de 2018 pela Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, meses antes das detenções acontecerem. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, prestou, esta quinta-feira, o seu depoimento por escrito como testemunha no caso de Tancos e tornou públicas as suas respostas com o intuito que se faça justiça, "doa a quem doer”.

"Tal como anunciou publicamente, o Presidente da República dá a conhecer aos portugueses as respostas enviadas às duas perguntas: a primeira sobre uma reunião em Tancos no dia 4 de julho de 2017 e a segunda sobre as circunstâncias em que teve conhecimento, a 18 de outubro de 2017, do aparecimento das armas e de que poderia haver uma encenação, o que soube, a 25 de julho de 2018, pela Procuradora-Geral da República", segundo uma nota divulgada no portal da Presidência da República. 

Sobre a reunião em Tancos, em julho de 2017, após o assalto ao local, o chefe de Estado diz que sempre tratou do caso diretamente com a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, e negou qualquer contacto com o diretor da Polícia Judiciária Militar, apesar de este ter sido sugerido pelo ex-ministro da Defesa e arguido do caso Tancos, Azeredo Lopes. "O Presidente da República decidiu ter, no caso de Tancos, como interlocutor, apenas, a Senhora Procuradora-Geral da República, naturalmente sempre dentro dos estritos limites da lei, nomeadamente, da autonomia do Ministério Público", pode ler-se na nota. 

Marcelo garante que só no dia 25 de julho do ano seguinte soube de “uma encenação” da PJM sobre o desaparecimento das armas em Tancos pela Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, meses antes de terem ocorrido as primeiras detenções relacionadas com o assalto. 

O chefe de Estado refere ainda que na véspera de ter sido noticiado o aparecimento das armas estava "totalmente ocupado com a, e mais vasta, segunda vaga de fogos florestais", em Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, onde fez "uma comunicação ao país sobre a matéria, na noite do dia 17 de outubro de 2017", regressando nessa mesma noite à sua residência em Cascais. 

O processo sobre o furto e as circunstâncias da posterior recuperação de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos, que tem entre os seus 23 arguidos o anterior ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, começou a ser julgado no dia 2 de novembro, em Santarém.

 

Leia o depoimento de Marcelo Rebelo de Sousa na íntegra: 

O Presidente da República prestou hoje – dia em que recebeu o correspondente pedido – depoimento, por escrito, como testemunha, no processo de Tancos, na sequência da diligência que lhe foi transmitida pelo Juiz do processo.

Tal como anunciou publicamente, o Presidente da República dá a conhecer aos Portugueses as respostas enviadas às duas perguntas: a primeira sobre uma reunião em Tancos no dia 4 de julho de 2017 e a segunda sobre as circunstâncias em que teve conhecimento, a 18 de outubro de 2017, do aparecimento das armas e de que poderia haver uma encenação, o que soube, a 25 de julho de 2018, pela Procuradora Geral da República.

Depoimento escrito de Sua Excelência o Presidente da República, como testemunha, no Processo nº 661/17.1 TELSB:

“Em resposta às questões formuladas, na sequência da preocupação insistentemente afirmada, desde o dia 4 de julho de 2017 – dia da visita a Tancos –, de se fazer justiça “de alto a baixo, doa a quem doer”, o Presidente da República de Portugal tem a dizer o seguinte:

– 1ª Questão –

No dia 4 de julho de 2017, durante a visita ao território atingido pela tragédia dos fogos florestais de junho, decidiu deslocar-se a Tancos para observar, no local, o sucedido.

Depois de ter visitado toda a área dos paióis, visto os postos de vigia e as redes de proteção, percorrido a pé o caminho entre o paiol em causa e as redes e, muito em particular, o aludido paiol, sugeriu reunião para esclarecimento do acontecido.

No decurso dessa reunião, agentes da Polícia Judiciária Militar expuseram diligências e conclusões, aludindo a escuta levada ao conhecimento do Ministério Público – tempos antes do desaparecimento do material militar – com eventual utilidade para o mais tarde acontecido, que não teria sido reportada a nenhuma autoridade militar, bem como a intervenção da Polícia Judiciária, sob a direção do Ministério Público, que estaria a criar problemas à sua atuação.

Na sequência das mencionadas alusões, secundadas pelo Diretor da instituição, pedindo ao Presidente da República que interviesse junto do Ministério Público, também quanto à avocação da investigação, o Presidente tomou nota do que ouvira e disse que iria transmitir essas preocupações à Senhora Procuradora-Geral da República e, sendo caso disso, à Senhora Ministra da Justiça.

No termo da reunião, já à saída, por sugestão do Senhor Ministro da Defesa Nacional para que falasse com o Diretor da Polícia Judiciária Militar, o Presidente da República chamou-o e disse-lhe que iria falar com ele, oportunamente. O que não viria afinal a ocorrer, por razões adiante aduzidas.

Tal como houvera dito, o Presidente da República falou com a Senhora Procuradora-Geral da República, que explicou as diligências promovidas pelo Ministério Público e o seu não acolhimento pelos magistrados judiciais competentes, a razão de ter despachado avocando a investigação sobre Tancos e, portanto, que o Ministério Público iria dirigir essa investigação.

Perante o exposto, o Presidente da República decidiu ter, no caso de Tancos, como interlocutor, apenas, a Senhora Procuradora-Geral da República, naturalmente sempre dentro dos estritos limites da lei, nomeadamente, da autonomia do Ministério Público.

Isto assim seria com a Senhora Procuradora-Geral da República em funções, a Senhora Dra. Joana Marques Vidal, durante mais de um ano, tal como, depois, com a sua sucessora, a Senhora Dra. Lucília Gago.

Em conformidade, nunca falou com o Diretor da Polícia Judiciária Militar.

– 2ª Questão –

Totalmente ocupado com a, e mais vasta, segunda vaga de fogos florestais, e, tendo feito, em Oliveira do Hospital, uma comunicação ao País sobre a matéria, na noite do dia 17 de outubro de 2017, nessa mesma noite o Presidente da República regressou à sua residência em Cascais.

Encontrava-se nessa residência, quando, no fim da manhã seguinte – no meio da atenção prioritária dada à tragédia dos fogos e à situação política emergente – soube, pela comunicação social, com base em informação veiculada pela Agência Lusa, do aparecimento do material de Tancos.

Não recebera, sobre esse aparecimento, qualquer outra comunicação anterior, nem do Governo, nem de chefias militares, nem de Belém, nomeadamente da Casa Militar, seu Chefe, Assessores ou Ajudantes de Campo.

No mesmo dia, ou no seguinte, falou-lhe a Senhora Procuradora-Geral da República indignada com a marginalização do Ministério Público, que considerava ilegal e muito grave.

Apenas tomaria conhecimento de que poderia ter existido eventual encenação no aparecimento do material, no dia 25 de julho de 2018, através da Senhora Procuradora-Geral da República.”