É quase um clichê dizer que as crianças e jovens já não sobem às árvores. Tal como já não jogam à bola na rua, não correm pela estrada fora e não fazem uma série de coisas que nós fazíamos e entendemos serem saudáveis e importantes na sua idade. São acusados de estarem sempre a olhar para os telemóveis, de não falarem uns com os outros, não conviverem e de estarem fechados nos seus quartos a jogar computador ou Playstation o dia inteiro.
Ontem um vigilante da escola do meu filho mais velho dizia em tom de preocupação que os jovens estão mais presos do que os reclusos na prisão. ‘Já nem sobem às árvores’, dizia. Esta escola tem dezenas de árvores. ‘Não sobem? Então, mas são vocês que não os deixam subir. Têm aqui tantas árvores e se começam a trepar alguma recebem uma participação…’ O senhor apercebeu-se da incoerência e respondeu a rir: ‘Pois é’.
Pois é. Os jovens são uns malandros porque estão sempre agarrados ao telemóvel, mas não foram eles que os inventaram, que os compraram, nem que permitiram o seu uso no recinto escolar. A maioria dos sítios onde vivem não são seguros para jogarem à bola na rua, nem têm árvores para subir. Nas escolas onde há condições não podem subir às árvores porque é perigoso ou não fica bem, nem muitas vezes jogar à bola porque dá sempre confusão. Acredito que pudessem criar-se situações complicadas. Jovens a aparecer de cabeça partida ou pior não é um bom cenário para ninguém. Árvores cheias de macaquinhos também não fica bem na fotografia. Mas já as maleitas menos visíveis ninguém tem receio de criar.
Se antes das novas regras relacionadas com a pandemia já havia escolas que cometiam graves atentados à liberdade dos mais novos, agora algumas medidas são quase assassinas. Há estabelecimentos de ensino onde as crianças e jovens, independentemente da hora a que chegam, em vez de ficarem a conviver na rua, têm de ir para a sala de aula, ficar sentados no seu lugar, de máscara posta, podendo só falar baixinho. Se não cumprirem vão de castigo. O mesmo acontece na maioria dos intervalos. Há até alguns estabelecimentos onde são incentivados a jogar nos seus tablets ou telemóveis durante este tempo e outros onde acabam por fazê-lo porque não têm grande alternativa. Há escolas onde ficam de castigo se saírem da área que lhes é reservada no recreio ou se estiverem com colegas de outra turma. Outras ainda onde foi proibido jogar à bola e quem levar uma volta para casa.
Sei que não é tarefa fácil garantir a segurança de todos os alunos, sobretudo em escolas muito grandes. Mas há consequências bem mais nefastas, nem sempre visíveis, destes atos. Como achar razoável obrigar jovens a estarem cinco horas sentados numa sala de aula ignorando a necessidade que têm de espairecer, gastar energia, estar à vontade? Como passar um dia a cumprir regras constantemente, tão absurdas como essa? Como achar que a sua capacidade de concentração e desejo de estar na escola será o mesmo nestas condições? Estas interdições passam a fazer parte de uma geração e irão perdurar. Como acusar os jovens de não subirem às árvores, de não jogarem à bola na rua, de não comunicarem entre si, de estarem sempre agarrados aos ecrãs, se na escola onde passam a maior parte do dia e que é um ambiente mais protegido, onde o podiam fazer com alguma segurança, são penalizados por isso?
Não são os miúdos que já não sobem às árvores. Fomos nós que as arrancámos dos sítios onde elas vivem e que não os deixamos subir porque achamos que não fica bem ou temos medo que caiam