1. Se há matérias em que um dia espero que exista convergência política em Portugal, nestes conturbados tempos de pandemia e de gestão dos parcos recursos que dispomos para a combater perante o espetro do avolumar da dívida pública, acredito que possa ser em matérias ambientais. As realidades que vamos constatando por esse mundo fora e os sucessivos desrespeitos por acordos internacionais livremente assinados, obviamente preocupam qualquer cidadão e, pessoalmente, não fujo à regra.
O último apelo foi de António Guterres, Secretário-Geral da ONU, na Universidade de Columbia, a 2 de dezembro, fazendo um discurso de alerta para a necessidade de união das nações neste combate que se deseja internacional, bem demonstrativo de enormes preocupações ambientais. Entre outras coisas, referiu que:
– «A humanidade está a cometer ‘suicídio’ ao ‘declarar guerra à natureza’ e que o mundo está perto de uma “catástrofe climática’»;
– Para contrariar a referida ‘guerra’, o objetivo central da ONU para 2021 é criar uma ‘Coligação para a Neutralidade Carbónica’, perante a necessidade de se atingir a mesma até 2050.
Uma mensagem bem clara e bem dirigida, dado existirem diversos países altamente industrializados e poluidores que terão de se comprometer e, objetivamente, cumprir. A lista dos 5 países com maiores níveis de poluição (em Mt CO2) incluía recentemente a China no topo (10.151), Estados Unidos (5.302), Índia (2.431), Rússia (1.635) e Japão (1.209).
Ou seja, muito a fazer e não tenhamos ilusões sobre as enormes dificuldades que se irão deparar, embora a ONU anuncie esperar que todos os países desenhem estratégias e implementem planos para atingir em 2050 as emissões ‘zero’. Mas, para tal ser possível, há uma primeira meta a cumprir – a redução até 2030 das emissões em 45%, face aos níveis de 2010. Só falta saber o que sucede a quem não cumprir.
Ao constatar desta realidade onde factualmente nos encontramos, é impossível não recordar o sobressalto internacional que Trump gerou ao anunciar o abandono pelos Estados Unidos do Acordo de Paris. Felizmente que Biden, ao ser eleito, de pronto prometeu reverter a decisão, com a promessa de efetuar investimentos avultados nos próximos anos (USD 1,7 bi) no sentido de ter «zero emissões de carbono» em 2050. Haja esperança!
Sendo um problema universal, Guterres e Biden têm razão e nestas matérias não há espaço para complacências. Falamos mais do que da qualidade de vida no planeta, ou seja, discutimos a nossa própria sobrevivência, caso não se adotem medidas que reduzam a emissão de gases poluentes. Objetivamente, pergunto: queremos mudar ou continuar a lastimar?
2. Pela sensibilidade pessoal da matéria, quero dar destaque a outro autêntico drama mundial: os oceanos e o famigerado plástico que por ali flutua sem se degradar por centenas ou milhares de anos. Aliás, numa publicação importante, a Ellen MacArthur Foundation estima que, se nada mudar, «até 2050, o mar terá mais peso em plástico do que em peixes».
Como prova deste flagelo, existem diversos filmes mostrando praias altamente poluídas em que são visíveis toneladas de lixo, sobretudo de matérias plásticas, que nos conseguem deixar estupefactos. As consequências são funestas, dado o impacto da entrada do plástico na cadeia alimentar, por via da ingestão de micropartículas que estão presentes nos peixes e frutos do mar, (como também na água da torneira, no sal, na cerveja, etc.). Até li estudos que referem que quem regularmente deles se alimenta, ingere 11 mil pedacinhos de micro plástico por ano. Não surpreende se pensarmos que em 2015 se estimava que 91% não era reciclado.
Mas qual a sua origem? Segundo Louisa Casson (Greenpeace UK) ou a ONG – World Animal Protection, para além do lixo produzido nas cidades, das micro esferas de plástico, dos desperdícios industriais, da lavagem de roupas de fibras sintéticas, uma das principais fontes (estima-se em 10%), resulta da ‘pesca fantasma’ (ghost fishing).
Esta ‘pesca fantasma’ consiste no abandono no mar de equipamentos para capturar animais marinhos como redes de pesca, linhas, anzóis, arrasto e diversas armadilhas que lhes causam danos impressionantes. Por exemplo, em 2018, estimava-se que, só no Brasil, a pesca fantasma afetava cerca de 69.000 animais marinhos por dia, entre baleias, tartarugas, golfinhos, tubarões, raias, etc.
Uma última palavra sobre o tema em Portugal (produção anual estimada de 77 mil toneladas de plástico). Já existe legislação desde 2019 a proibir entre 2020 e 2021 a utilização de diversos artigos, como as célebres palhinhas, cotonetes, copos, pratos ou talheres. Mas há que ser bem mais duro nestas matérias porque continuamos a ver, em toda a parte, demasiadas garrafas em plástico na qual se pretende introduzir uma taxa retornável, em vez se optar pelo vidro, 100% reciclável e reutilizável.
Em suma, até quando a humanidade vai tolerar isto e tenho de repetir a pergunta: queremos mudar ou continuar a lastimar?