O Governo vai mesmo levar o plano de reestruturação da TAP a debate e votação na Assembleia da República. Embora tenha a tutela da matéria, ou seja, o poder de decidir, o Executivo de António Costa quer ter o aval do Parlamento – onde não possui a maioria dos deputados – depois da aprovação de Bruxelas.
Esta possibilidade já havia sido adiantada, no domingo, pelo comentador político Marques Mendes, e foi ontem confirmada por fonte da direção do PSD. No seu espaço semanal de opinião na SIC, Marques Mendes considera a opção “correta, porque vai implicar dinheiro do Estado até 2023 e, portanto, é melhor definir as regras do jogo desde o início”. Porém, admite que “é arriscado”, uma vez que “o Governo não tem maioria no Parlamento”. Se o plano for chumbado “é o fim da TAP”, diz o comentador.
O Governo terá confirmado a intenção não ao presidente do partido, Rui Rio, mas sim “ao grupo parlamentar, através de um deputado” da bancada laranja. “O PSD não deixa de estranhar é que o Governo, numa matéria em que tem total capacidade de decidir, porque a tutela da matéria pertence apenas ao Governo, a queira levar ao Parlamento, em contraste com o que acontece em relação ao Novo Banco”, disse a fonte da direção social-democrata.
Recorde-se que o Governo tem até à próxima quinta-feira, dia 10, para apresentar à Comissão Europeia o plano de reestruturação da TAP, que surge como uma exigência de Bruxelas no âmbito do empréstimo do Estado de até 1,2 mil milhões de euros à companhia aérea, para fazer face à crise na sequência da pandemia de covid-19. O Governo incluiu ainda no Orçamento do Estado para 2021 um valor de 500 milhões de euros em garantias para a TAP, para que a empresa possa financiar-se no mercado, uma verba que poderá ser superior (possivelmente, o dobro) devido à lenta recuperação do setor da aviação neste período. Os sindicatos já adiantaram, aliás, que poderão ser necessárias verbais totais próximas dos quatro mil milhões de euros até 2023 para garantir a viabilidade da empresa.
De realçar que, caso o plano de reestruturação da TAP seja chumbado, fica em risco a sobrevivência da companhia, detida pelo Estado em 72,5% (com os restantes 22,5% a pertencerem a Humberto Pedrosa e 5% aos trabalhadores).
“Plano é uma tontice” Mas mesmo que o plano seja aprovado no Parlamento, há quem garanta que o futuro da companhia se encontra em risco, tal como foi desenhado. Ora, a apresentação do plano de reestruturação da TAP – concebido com o contributo da consultora Boston Consulting Group e do Deutsche Bank – aos sindicatos provocou uma onda de espanto e indignação, pois vai mais longe do que se previa, incluindo dois mil despedimentos – de 500 pilotos (dos atuais 1468), 750 tripulantes de cabina efetivos e outros 750 funcionários do pessoal de terra. O pacote de medidas inclui ainda um corte transversal de 25% dos salários daqueles que ficam e a redução da frota da companhia. A TAP deverá ficar com 88 aviões, contra os 101 que possuía no final do terceiro trimestre (menos sete que em junho).
Ao i, José Sousa, do Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (Sitava), garante que o plano de reestruturação, tal como está concebido, vai levar “ao fim da TAP”. “Este plano é uma tontice. A TAP até poderia funcionar com 88 aviões, mas quem vai operá-los?”, questiona.
Recorde-se que aos dois mil despedimentos anunciados se juntam ainda quase três mil saídas que se foram somando ao longo dos últimos meses de crise. O Grupo TAP vai perder mais de 1600 trabalhadores com contratos a termo até ao final do ano, a que se somam os cerca de 200 contratos que terminam no primeiro trimestre de 2021. A estes juntam-se ainda os quase mil despedimentos previstos na empresa de handling Groundforce (na qual a TAP tem participação minoritária). Feitas as contas, o universo TAP perderá mais de 4800 trabalhadores (diretos e indiretos) até março do próximo ano. “Com o número de trabalhadores previstos no plano, a TAP vai perder capacidade de voar e os concorrentes vão ganhar terreno. No final, a TAP será aniquilada pelo mercado”, diz José Sousa.
O secretário-geral do Sitava classifica como “incompreensíveis” os últimos passos dados pelo Governo nesta matéria e considera mesmo que “algo mudou” durante o processo. “O Estado considerou que a TAP era essencial para o país, resolveu o problema com os privados, capitalizou a empresa e, de repente, esquece-se de tudo? Quando parecia estarmos todos alinhados, de repente, o Estado apresenta um plano que retira à TAP a possibilidade de ser competitiva e de cumprir as suas rotas mais competitivas [para Estados Unidos e Brasil]?”, pergunta. “É incompreensível o desnorte a que se chegou e espero que o Governo dê um passo atrás antes de apresentar este plano a Bruxelas e à Assembleia da República, ou vai acabar por se arrepender”, conclui.
O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) alinhou, ontem, com este apelo, afirmando que o plano deve ser imediatamente suspenso para ser discutido e reavaliado antes de ser enviado para Bruxelas. Também o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) já havia feito o mesmo pedido ao Governo, apelando a que se negociasse com Bruxelas o adiamento da apresentação do plano e denunciando que este está baseado em previsões de mercado “completamente desatualizadas”, por não se encontrarem “refletidas as evoluções recentes da situação da pandemia”. O SPAC tinha dado o primeiro passo formal para travar o plano de reestruturação, interpondo uma providência cautelar para exigir informação sobre o plano que prevê o despedimento de 500 pilotos. A estrutura sindical alega que a empresa apenas deu “informação incompleta, insuficiente e enganosa” aos trabalhadores e exige participar “de forma ativa” na reestruturação da empresa.