Alguns líderes políticos, com destaque para o Presidente Marcelo, precipitaram-se em declarações espúrias ou em iniciativas que desafiam frontalmente os seus limites funcionais constitucionais. É o que faz querer sempre acompanhar as ondas mediáticas, presidindo ao país, não em função do superior interesse de Portugal e dos Portugueses, mas para a palavra amiga dos jornalistas. Para a manchete do dia seguinte ou para a headline das edições online…
Marcelo preocupa-se tanto com a política espetáculo – que, às tantas, se esquece do espetáculo da política, que é servir os cidadãos acima de qualquer outro interesse ou consideração.
Dito isto, a ideia de extinguir o SEF é absolutamente peregrina.
Antes do mais, o essencial: a morte de Ihor (não importa se é ucraniano, português ou de qualquer outra nacionalidade – é uma pessoa, dotada de dignidade como qualquer um de nós) é censurável sem limites, nem limitações. E deve ser sempre evocada para que não caia no esquecimento face à voragem de sucessão de acontecimentos que marcam a contemporânea sociedade da comunicação.
Os autores deste crime de homicídio (hediondo!) devem ser responsabilizados, nos termos próprios do Estado de Direito Democrático.
O Estado Português deve assumir as responsabilidades, em termos simbólicos (perante todos nós portugueses e, em particular, perante a comunidade ucraniana residente em Portugal) e em termos indemnizatórios face aos familiares de Ihor.
No entanto, o juízo de responsabilização criminal implica uma imputação subjetiva – isto é, dirigida aos autores pessoais deste crime hediondo, a quem matou Ihor- e uma imputação objetiva, que incide sobre o Estado por funcionamento anormal do serviço (que, aliás, está prevista na Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado).
Porque o SEF é Estado – não é uma entidade para além, ou para aquém, do Estado; não está sequer na periferia ou nos sectores mais independentes ou autónomas da organização administrativa do Estado. Não: o SEF está no centro da organização administrativa direta do Estado. Donde: objetivamente, o Estado deve ser responsabilizado.
No entanto, responsabilização não é sinónimo de extinção.
Responsabilizar o SEF não significa extinguir o SEF.
Retificar para melhor um serviço não pode traduzir-se em liquidar um serviço para ficar pior o Estado. O SEF é crucial para a segurança nacional – e a PSP, como nenhuma outra polícia nacional, têm valências, meios ou estrutura para dar vazão às missões acometidas ao SEF. Entre várias outras razões – que estão estudadas academicamente -, há uma que é imediata: então a PSP alega (e bem!) que não dispõe de meios para dar resposta a todas as exigências que se colocam à sua atividade diária – e ainda queria acrescentar outras, bem complexas, sem meios correspondentes?
Mais: Portugal tem uma tradição de haver bronca em todas as fusões de serviços ; ora, em matéria de segurança, não se brinca. Até porque fusão implicaria sempre um período de transição (e confusão), com a reafectação de funções, tarefas, estruturas e com a necessária adaptação dos agentes.
Ora, deixemo-nos de rodeios: este não é um tempo para experimentalismos em matéria de segurança. Este tempo é muito perigoso: os portugueses porventura não saberão, mas a Europa está em alerta máximo com o risco de ocorrência de atentado terrorista em Espanha, em França ou na Alemanha.
As agências de intelligence europeias (sobretudo as principais) receberam informações da Mossad e da CIA sobre indivíduos com atividade suspeita e que têm tido atividade suspeita nos últimos tempos, conseguindo-se a informação que têm trocado mensagens com conteúdo que faz evocar a preparação do atentado terrorista na feira de Natal em Berlim em 2016.
Com uma particularidade: os terroristas estão adaptando-se aos tempos da pandemia, quer nos seus métodos, quer na redefinição dos seus targets (por ora, não podemos, por razões estratégicas e de segurança, aqui avançar mais informações, em termos públicos).
De facto, o DOS dos EUA emitiu um alerta de segurança reforçada, de nível máximo, para todas as representações norte-americanas na Europa, sobretudo nas capitais dos três países acima mencionados.
Em particular, quanto à Embaixada dos EUA em Madrid, o DOS, em articulação com a CIA, segundo o qual“durante a temporada de Natal, as medidas de segurança em Espanha continuam intensificadas devido às contínuas ameaças geradas por organizações terroristas transnacionais e pessoas inspiradas na ideologia extremista violenta. Os extremistas violentas continuam focados em locais como mercados de férias, centros comerciais, aeroportos, clubes, restaurantes, centros de transporte e outros locais frequentados por turistas. O Governo espanhol anunciou um aumento das medidas de segurança de 15 de Dezembro a 9 de Janeiro, que incluem registos aleatórios adicionais de pessoas e veículos e uma maior presença policial”. Apela-se, então, à máxima diligência dos cidadãos norte-americanos na Europa e, em particular, em Espanha.
Podemos, ainda, avançar que ontem foi um dia de trabalho muito agitad nas “representações” das principais serviços de intelligence e em bases de inteligência militar (não só na Europa) – o risco é elevadíssimo; dentro da imprevisibilidade que é a atividade terrorista, as agências de intelligence europeia dispõem de informações bastantes para atuar devidamente e discretamente., protegendo os cidadãos e turistas.
Neste contexto, ouvir-se falar da extinção do SEF é uma irresponsabilidade inominável. Aliás, podemos avançar que Portugal tem sido motivo de discussão ao mais alto nível quer nos serviços de segurança dos EUA, quer mesmo na INTERPOL e EUROPOL – estas duas polícias internacionais nem queriam acreditar quando foram informadas que Portugal ponderava (ao nível do Presidente da República!) extinguir o SEF, ao ponto de pedirem informações ao Governo Português (já chegou esse pedido ou chegará nos próximos dias ao Governo).
Daí que António Costa, percebendo o filme, veio desmentir a notícia da extinção do SEF…então, o PM do país que irá presidir à UE iria extinguir, nestes tempos conturbados, quando a Europa está em alerta máximo de risco de ataque terrorista, a polícia de controlo das fronteiras, gerando-se um vazio, ainda que temporário, numa matéria tão sensível para a segurança de Portugal e da Europa?
Nós percebemos a intenção política da discussão sobre extinção do SEF: são os amigos da AOC e do Bernie Sanders que estão tentando replicar aqui o discurso que a extrema-esquerda americana tem em relação ao ICE, que é o equivalente ao SEF nos EUA. Viram aqui a oportunidade de ouro para o fazer, humilhando os trabalhadores dedicados e muito competentes (que são a maioria!) do SEF.
Que trabalham sem condições para proteger Portugal e os portugueses – muitos, a maioria, são trabalhadores (tem muitos ex-colegas e ex-alunas e ex-alunos que são agentes do SEF e que têm máximo respeito pelos direitos fundamentais de todos e pelo interesse público) honestos, dedicados, que são os primeiros a defender a Constituição e dignidade da pessoa humana.
E também não ignoramos que há gente – e gente que tem muita influência na burocracia europeia – que quer utilizar Portugal para experimentalismos em matéria de fronteiras e de segurança…
Às vezes parece que, em Portugal, não há tino nas discussões políticas – é tudo feito em termos maniqueístas. Até parece que para fazer Justiça a Ihor é preciso extinguir o SEF.
Não é: entre a Justiça a Ihor e a extinção do SEF, há uma miríade de opções que devem ser debatidas e ponderadas. E, depois, executadas com justiça, eficiência e bom senso.
Em suma: que a homenagem (justa e merecida) a Ihor e a defesa da sua memória – não justifiquem colocar em risco a vida de todos aqueles que vivem em Portugal, através da diminuição da nossa segurança coletiva.
Um abraço sentido à família de Ihor.
Um abraço pungido ao Embaixador da Ucrânia em Portugal.
Um abraço agradecido a todos as trabalhadoras e trabalhadores do SEF que todos os dias, sem meios e mal tratados(as) pelo poder político, protegem Portugal – e, na sua larga maioria, são gente honesta, comprometida com os direitos fundamentais e a Constituição, que têm sido tratados (todas e todos!) como criminosos(as).