A s negociações entre o Governo e os CTT para a extensão da prestação do serviço postal universal continuam. Ao que o SOL apurou, a atual concessão será prorrogada por mais 90 dias, mas continuam as conversações entre o Estado e a empresa com vista à renovação da concessão após este prazo, mas noutras condições.
O atual contrato de concessão termina no final deste mês, mas a empresa liderada por João Bento já veio admitir que o atual modelo de financiamento não é sustentável e que concorre à nova concessão desde que as condições sejam «de sustentabilidade».
Para os CTT, não há dúvidas: o novo contrato terá de ser «justo, equilibrado e que sirva os interesses de todas as partes», chamando ainda a atenção para o facto de a pandemia ter retirado «largas dezenas de milhões de euros» aos proveitos do serviço público, disse a empresa em comunicado. «A forte quebra do correio tem um impacto relevante no modo como este serviço encontra o seu equilíbrio financeiro, já que até agora o serviço público era financiado apenas pelos clientes» Face a esse cenário, defende que «é preciso repensar o serviço público».
Uma das soluções sugeridas pela empresa passa pelo aumento de valores a cobrar por alguns serviços, nomeadamente a subida dos preços dos selos, ou pelo alívio de algumas das suas obrigações, nomeadamente em matéria de qualidade de serviço, que tem sido um dos calcanhares de Aquiles dos CTT.
Ainda em agosto, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) decidiu aplicar o mecanismo de compensação previsto na lei, que poderia ser aplicado caso não fossem cumpridos os indicadores de qualidade de serviço postal. Este mecanismo consiste na redução de preços desses mesmos serviços, em benefício dos consumidores. Em causa estava o incumprimento de 23 dos 24 indicadores de qualidade do serviço (IQS) postal universal, em 2019, sendo o quarto ano consecutivo em que os Correios não conseguiram cumprir a totalidade dos indicadores de qualidade.
O SOL sabe que a empresa já mostrou o seu interesse em manter os serviços mais rentáveis e que passam pela exploração do serviço em grandes centros urbanos e no litoral, pelo correio internacional, express mail, encomendas, serviços financeiros postais (Payshop) e Banco CTT.
Estas ‘exigências’ estão longe de gerar consenso, uma vez que a Anacom já tinha sugerido em junho que os níveis que impõe aos CTT para aferir a qualidade de serviço devem manter-se no novo contrato de concessão. No entanto, a entidade liderada por João Cadete de Matos considera que é possível encontrar uma solução transitória na concessão dos CTT.
Também do lado do Governo continuam a existir muitas dúvidas. Ainda esta semana, o ministro das Infraestruturas garantiu que está a trabalhar com os Correios para garantir que o serviço universal possa continuar. «Nesta fase, por razões da crise pandémica, temos trabalho negocial que ainda está em curso. Vai ter de haver uma prorrogação desse contrato até estarmos em condições de fechar o próximo contrato», garantiu Pedro Nuno Santos, não afastando, no entanto, a possibilidade de o Estado passar a controlar os CTT. «Não excluímos esse cenário», afirmou.
Não é a primeira vez que é colocada, mas esta hipótese tem ganho novos contornos desde 2019, principalmente com as pressões que têm sido colocadas pelos partidos de esquerda, que há muito vêm defendendo a renacionalização da empresa. Uma das soluções poderá passar pela reentrada no capital dos Correios, cujo maior acionista é, atualmente, Manuel Champalimaud. Para isso, o Estado terá de comprar mais de 13% do capital.
Recorde-se que, a par de Portugal, só há mais três países que têm empresas de correios totalmente privatizadas: Países Baixos, Reino Unido e Malta.
Reabertura de lojas
A entidade liderada por João Cadete de Matos tem defendido que os Correios estão obrigados a ter pelo menos um posto de correios com as mesmas características em todos os concelhos do país e são obrigados a assegurar a prestação da totalidade dos serviços concessionados em condições equivalentes às das estações de correios que, noutros concelhos, cumprem as mesmas funções.
Esta exigência tem vindo a ser cumprida pelos CTT. Das 33 lojas em sede de concelho que teriam de ser reabertas, já foram 24. Já em junho do ano passado, o CEO tinha garantido que a prioridade dos Correios é a aproximação aos clientes. «A minha primeira prioridade é a aproximação dos CTT aos nossos clientes e os nossos clientes são o povo português», disse o responsável, garantindo que «está decidido que não vai haver mais encerramentos de lojas».
Desde a privatização
No ano em que a empresa foi alienada – e que coincidiu com o fim da ajuda da troika –, fechou com lucros de 77,2 milhões de euros – um aumento de 26,5% face ao ano anterior, quando tinha atingido os 61 milhões. O dividendo proposto aos acionistas foi de 40 cêntimos por ação.
A partir de 2015 assistiu-se ao início da queda dos lucros. Nesse ano, a empresa na altura liderada por Francisco Lacerda apresentou um resultado de 72 milhões, uma quebra de 6,6% face ao ano anterior. A empresa distribuiu dividendos de 70 milhões, correspondentes a 47 cêntimos por ação.
Esta tendência manteve-se em 2016 – altura em que arrancou o Banco CTT, com a abertura de 200 balcões –, com os lucros a caírem 13,7% para os 62,1 milhões. O dividendo distribuído aos acionistas totalizou os 72 milhões de euros, correspondentes a 42 cêntimos por ação.
Um novo tombo verificou-se em 2017, com os Correios a fecharem a sua atividade com um resultado líquido de 27,2 milhões de euros, uma redução de 56,1%. Ainda assim, os dividendos distribuídos aos acionistas fixaram-se em 38 cêntimos por ação, ou seja, mais do que o montante total dos lucros.
A queda de lucros manteve-se no ano seguinte, com os Correios a apresentarem uma quebra de resultados de 28% para 19,6 milhões de euros. Mas, ao contrário do que acontecia em anos anteriores, a empresa cortou na distribuição de dividendos: 10 cêntimos por ação, ou seja, nunca os CTT pagaram tão pouco aos seus acionistas, cortando com a política de distribuir mais do que os lucros registados e ficando apenas por 75% dos lucros.
Só no ano passado é que a empresa voltou a aumentar os seus resultados ao fechar 2019 com lucros de 29,2 milhões de euros, um crescimento de 35,8% face ao ano anterior. E ao contrário do que tinha sido apontado inicialmente, a empresa recuou na sua decisão em termos de distribuição de dividendos, dando como justificação o clima de incerteza provocado pela pandemia. «Dada a incerteza económica e a ainda pouca clara noção sobre a gravidade da crise da covid-19, e apesar da sólida posição do balanço de que a empresa dispõe atualmente, o conselho de administração considerou relevante, tanto para a empresa como para os seus stakeholders, reverter a sua intenção de propor à Assembleia-Geral de acionistas um dividendo de 0,11 por ação, anteriormente divulgada ao mercado», disse em abril deste ano.
O certo é que a pandemia acabou por penalizar os resultados dos primeiros nove meses do ano. Os CTT obtiveram um lucro de 4,3 milhões de euros, uma quebra de 81,1% face a setembro de 2019. «A empresa recorda que o primeiro semestre de 2020 foi marcado pela pandemia de covid-19 e pelos efeitos das restrições impostas à maior parte dos setores da economia, que tiveram um forte impacto no perfil de envios, tendo-se verificado uma redução do tráfego B2B [negócio para negócio], e tendo-se, em contraponto, assistido a um forte crescimento da atividade de e-commerce e, portanto, de B2C [negócio para consumidor final]. No terceiro trimestre manteve-se o forte ritmo de atividade de e-commerce e verificou-se uma recuperação do B2B», justificou na apresentação de resultados.
Mas, em contrapartida, o segmento de expresso e encomendas atingiu rendimentos recorde no terceiro trimestre ao apresentar um crescimento de 19,5% para 29,4 milhões de euros, «fruto da forte aceleração do comércio eletrónico em Portugal e da relevante oferta comercial voltada para o digital que os CTT lançaram nos últimos meses», referiu a empresa liderada por João Bento.