O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) “irá proceder à suspensão imediata da licença da Zona de Caça Turística de Torre Bela (n.º 2491-ICNF), no seguimento do abate de 540 animais naquela herdade cercada”, pode ler-se no comunicado divulgado pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática. Além disso, numa iniciativa articulada entre as duas entidades, o caso foi já reportado ao Ministério Público. Na nota enviada às redações, o Ministério do Ambiente indica que, no processo de averiguação, “foram recolhidos fortes indícios de prática de crime contra a preservação da fauna”.
O “massacre”, como já tem vindo a ser apelidado nas redes sociais, aconteceu no dia 17 de dezembro, na sequência de uma montaria promovida por uma empresa espanhola.
Depois de terminada a iniciativa, os 16 caçadores partilharam publicações nas redes sociais onde se regozijavam do feito escrevendo, em inglês, “Conseguimos de novo” e “Um total super recorde”. A este propósito, a Federação Portuguesa de Caça (FENCAÇA) veio lamentar a forma como os caçadores se vangloriaram do “abate massivo, contrariando todos os princípios éticos que devem estar subjacentes ao nobre ato de caçar”.
No jornal online O Fundamental, o vice-presidente da Câmara Municipal da Azambuja, Sílvino Lúcio, veio condenar o acontecimento, afirmando tratar-se de um “massacre, de um crime ambiental e de um ataque violento à nossa fauna e natureza”. O autarca acrescentou ainda que “não se tratou de caçar; antes, foi massacrar aqueles animais que não tinham por onde fugir, já que o abate da floresta tem sido permanente e os animais estavam confinados aos muros da propriedade”. André Silva foi mais longe e disse que “os animais foram encurralados entre paredes e abatidos de forma vil”.
A Quinta da Torre Bela situa-se na Freguesia de Manique do Intendente, concelho da Azambuja e tem cerca de 1100 hectares, sendo por isso considerada a maior quinta murada da Europa. A acrescentar à polémica está o facto de estar prevista a instalação de mais de 750 hectares de painéis fotovoltaicos na propriedade e de as ações terem sido com o intuito de “limpar” a quinta para esse fim. Na sua página de Facebook, o partido Pessoas Animais e Natureza (PAN), condena a ação, alegando que aconteceu “numa zona de grande sensibilidade ecológica, envolta em polémica, para onde está, inclusivamente, prevista a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares e cujo Estudo de Impacte Ambiental (EIA) encontra-se ainda em fase de consulta pública até 20 de janeiro de 2021”.
A FENCAÇA manifestou-se também relativamente ao projeto da Central Fotovoltaica adiantando que, para que a empreitada se realize, obrigaria ao abate de um número elevado de sobreiros, uma espécie que possui estatuto de proteção. A Federação pede que o ICNF investigue a situação em que decorreu o abate para que se saiba “se o mesmo foi uma ação de gestão da população, devidamente programada e nos termos previstos na lei, necessariamente com caráter sustentável; ou se, pelo contrário, ocorreu um abate massivo de animais tendo em vista o seu ‘extermínio’, aniquilando o património cinegético aí existente”.
O deputado do PAN, André Silva, declarou esta terça-feira à RTP que, apesar do Parlamento continuar a chumbar as propostas do partido sobre o tema, são de conhecimento geral “práticas anacrónicas” como a observada no passado fim de semana, garantindo que a montaria não foi “um caso isolado”.
André Silva classificou a montaria como “uma chacina abjeta e que contraria tudo o que é o espírito e a vontade dos portugueses e das portuguesas na forma como nos relacionamos com os animais”. O deputado apelou a uma revisão da lei de bases de caça e pediu que fossem abandonadas “práticas medievais”.
Ao final da tarde desta terça-feira, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, repudiou o ato, classificando-o de “vil e ignóbil”, afirmando que a prioridade do Governo é garantir que “não se repita”, o que representa uma revisão da lei. No entanto, o ministro explica que esse trabalho não poderá ser feito “de uma noite para uma manhã” e que deverá também envolver o Conselho Nacional de Caça. Questionado sobre as declarações da FENCAÇA relativamente à construção de uma central fotovoltaica no local, João Pedro Matos Fernandes recusou qualquer relação. As declarações foram feitas à saída do Palácio da Ajuda, em Lisboa, onde decorria uma reunião do Conselho de Ministros.