Apesar dos números mais baixos que costumam ser reportados no início da semana, as previsões dos especialistas que fazem a modelação da epidemia de covid-19 no país não se alteraram. São esperados mais de 3 mil novos contágios por dia ao longo desta semana de maior movimentação e convívios de Natal. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e um dos peritos que colaboram com o Ministério da Saúde, admite que a situação é “frágil” e que se inicia a época natalícia já não numa tendência decrescente de casos mas num planalto. Os últimos cálculos feitos esta semana pela equipa da FCUL apontam para um RT agora de 1, depois de nas últimas semanas ter chegado a baixar para 0,97 – uma tendência de diminuição da curva de casos que entretanto parou, explica o especialista, entrando-se numa fase de estabilização da epidemia. Carmo Gomes admite no entanto que os contágios já terão começado a aumentar esta semana, o que se verá nos casos diagnosticados entre o final desta semana e a próxima. A única região do país em que o RT (o indicador calculado pelos peritos que dá uma ideia sobre se a epidemia está a intensificar-se ou a abrandar) está baixo de 1 é agora o Norte. O Instituto Ricardo Jorge costuma divulgar a sua análise epidemiológica à sexta-feira. No último balanço feito no fim da semana passada, referente ao período entre 9 e 13 de dezembro, mantinha-se uma tendência decrescente a nível nacional, fruto da melhoria da situação no Norte, com o RT em 0,98. Nas regiões Centro, Lisboa, Alentejo e regiões autónomas havia uma tendência crescente ou de estabilização.
E é neste fino equilíbrio em que os novos casos geram um número igual de infeções e a epidemia nem cresce nem baixa que entra agora a variável Natal. Se os receios são grandes, não é possível antever o impacto. Carmo Gomes resume: “Nunca tivemos um Natal em pandemia”.
Esta terça-feira multiplicaram-se os apelos da DGS, Governo e Presidente da República para que haja a maior prudência nas reuniões familiares. Na primeira conferência de imprensa após debelar a covid-19, a diretora-geral da Saúde reiterou o apelo para que estejam juntas “o mínimo de pessoas possível”, sublinhando que convívio entre coabitantes ou núcleos familiares diferentes terá um “grande relevo”.
O Governo não impôs limites a ajuntamentos. E não há entraves à deslocação entre concelhos, o que contrasta com o Natal de maiores constrangimentos que se vive na maioria dos países europeus. Na Alemanha, são permitidas reuniões de cinco pessoas. Em Espanha, dez. Em França seis. Na Holanda, dois convidados no máximo em cada casa. No Reino Unido, em sobressalto com a nova variante do sars-cov-2 e com o maior aumento de casos na região do sul e leste de Inglaterra, o Natal foi praticamente cancelado e só podem encontrar-se duas pessoas, isto além de medidas como o encerramento de comércio não essencial, que Portugal não adotou nesta vaga da epidemia.
Cinco à mesa? Numa entrevista à TVI na segunda-feira à noite, o Presidente da República falou dos seus planos para o Natal, apontando a regra de cinco pessoas à mesa mas revelando que tem previstos diferentes jantares/almoços para estes dias. Manuel Carmo Gomes sublinha que a preocupação deve ser restringir contactos ao mínimo e que desdobrar os encontros não representa um risco menor de infetar ou ser infetado. “A preocupação deve ser sempre misturar ao mínimo agregados familiares diferentes”, explica.
Em termos de contágio, pessoas que se infetem durante este período do Natal poderão estar contagiosas no Ano Novo, mas já se sabe que o período de incubação da doença é variável e pode ir de dois a 14 dias.
Ainda assim, havendo um tempo médio de incubação de cinco a sete dias, coincidirá com o Ano Novo, altura em que as restrições voltam a apertar, o que poderá ter algum efeito de travão. A magnitude do aumento de casos só poderá ser avaliada mais tarde. Carmo Gomes mantém a expectativa que em janeiro, com o início da vacinação dos grupos mais vulneráveis, em particular nos lares, possa entrar-se numa fase diferente em que mesmo que se verifique um aumento de casos haja tendencialmente menos quadros graves de doença e necessidade de internamento. Salienta no entanto que a situação mantém-se atualmente frágil, com um número elevado de doentes internados e uma incidência também elevada nos idosos, com surtos em lares que, quando existe uma elevada incidência na comunidade, são mais difíceis de evitar.
13 mil idosos infetados este mês Os dados da DGS, que o i analisou, revelam que na última semana foram diagnosticados mais de 4 mil novos casos em idosos com 70 anos ou mais, menos que na semana anterior mas ainda mais do que há duas semanas. E ainda muito mais do que acontecia por exemplo em outubro, quando foram diagnosticados cerca de 8 mil casos em idosos com 70 anos ou mais ao longo de todo o mês.
Durante o mês de novembro foram diagnosticados 19 500 casos em idosos com 70 anos ou mais, uma realidade sem precedentes, o que ajuda a perceber o aumento da mortalidade que se viveu ao longo das últimas semanas e que diminuiu nos últimos dias. Já este mês, até ontem, registaram-se 13 478 diagnósticos de idosos com 70 ou mais anos. Mas se parece haver algum abrandamento no grupo dos 70 aos 79 anos, acima dos 80 anos, o grupo etário de maior risco e onde se tem registado a maioria das mortes associadas à covid-19, não é tão claro que esteja a haver menos idosos expostos ao vírus. Muitos passarão este ano o Natal isolados em lares e os cuidados estão por estes dias nas mãos das famílias.