O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu os tradicionais cumprimentos de Natal do Governo, menos de 24 horas depois de ter colocado mais pressão ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e de ter reconhecido que os “portugueses foram enganados” sobre a disponibilidade da vacina da gripe em outubro, colocando também pressão em Marta Temido, a ministra da Saúde para o futuro. Apesar da pressão, os cumprimentos entre Belém e São Bento serviram para o primeiro-ministro e o Chefe de Estado pedirem cuidado redobrado no Natal aos portugueses. “Vamos ter de ter um Natal com muito cuidado. Sou um bom exemplo disso, bastou um almoço com uma pessoa contaminada para que, apesar de não estar eu próprio doente, ter de ficar 14 dias em isolamento” começou por explicar António Costa, após o contacto de alto de risco com o presidente francês, diagnosticado com a covid-19.
Resultado? Vai passar o Natal em São Bento isolado. E entrou na cerimónia de cumprimentos a Marcelo por videoconferência num ecrã de corpo inteiro. Mais, na Sala dos Embaixadores, no Palácio de Belém, só estiveram os ministros de Estado Mariana Vieira da Silva, Pedro Siza Vieira e João Leão.
Tratando-se sempre por “vossa excelência, Costa e Marcelo realçaram a cooperação institucional destes meses. O primeiro-ministro destacou mesmo “a excecional cooperação institucional entre os órgãos de soberania” e prometeu uma “cooperação leal e franca do governo até ao dia 9 de março”, data em que Marcelo termina o mandato. “Seguramente, a Presidente ou o Presidente que vier a ser eleito pelos portugueses no dia 24 de janeiro continuará a contar com a cooperação franca e leal do Governo”, acrescentou António Costa.
Os desafios do Governo – a vacinação e o plano de recuperação e resiliência – são também os desafios que Marcelo partilhará até ao dia 9 de março. E, na pandemia, Marcelo enalteceu a cooperação institucional em todos os órgãos de soberania, extensível também a parceiros sociais, com o exemplo único das reuniões no Infarmed. Reforçou-se a coesão social: “Os portugueses perceberam e reforçaram a sua determinação”, assegurou Marcelo considerando que se demonstrou “como a democracia está sólida”. Contudo, tal como o primeiro-ministro, Marcelo lembrou que “ é fundamental que os portugueses tenham presente que a sua vida e a dos outros não acaba no dia 26 de Dezembro. O que se fizer e não se fizer vai determinar as semanas seguintes”. E no final concluiu: “Se o ano [de 2021]for feliz para o Governo de Portugal é feliz para Portugal e é isso que importa para o Presidente da República até 9 de março de 2021”.
Na véspera, Marcelo, no papel de recandidato, recusou (numa entrevista à TVI) a ideia de ter sido menos duro sobre a continuidade do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, por comparação com o caso da ex-ministra Constança Urbana de Sousa, no rescaldo da tragédia dos incêndios de 2017.
Na altura, a ministra da Administração Interna saiu (já o tinha pedido ao primeiro-ministro) e as palavras de Marcelo ( a pedir um novo ciclo a António Costa) apenas aceleraram o processo. Agora, depois da polémica sobre o caso da morte do cidadão ucraniano nas instalações do aeroporto de Lisboa, Cabrita não saiu. “Não, eu usei até uma expressão, eu usei no outro dia em Belém uma expressão que era paralela a essa, num plano diferente”, justificou o recandidato presidencial sobre o que disse como Presidente da República há três anos no rescaldo dos incêndios mais trágicos no país. O Chefe de Estado abriu caminho à saída do governante, mas Costa segurou Cabrita. A pressão ficou registada.
Sobre o caso concreto, Marcelo considerou que “houve uma consequência política que foi a saída da senhora diretora do SEF e a reestruturação do SEF”. E reconheceu que o próximo mandato será mais difícil. Porém, não antecipou uma crise política no próximo ano, em que também há eleições autárquicas ( com possíveis leituras nacionais).
Horas antes dos tradicionais cumprimentos de Natal do Governo, Marcelo recebeu ainda o Presidente do Parlamento e os líderes parlamentares, além das deputadas não-inscritas. Na ocasião, Marcelo colocou o Parlamento como o centro da Democracia. Que acolhe mesmo aqueles que se lhe opõem. Marcelo fez ainda um apelo aos portugueses: “Os portugueses não podem desesperar, porque a democracia é portadora de esperança. E a Assembleia da República, como centro nevrálgico da democracia, é portadora de esperança”, afirmou o Presidente da República.