A minha situação é atípica. Em primeiro lugar, estou reformado – o que é normal. Em segundo lugar, estou reformado mas continuo a trabalhar – o que já não é tão normal. Em terceiro lugar, estou reformado e a trabalhar mas pro bono, isto é, sem ganhar – o que ainda é menos normal. Em quarto lugar, estou reformado, a trabalhar, sem receber mas em regime de teletrabalho – e isto tudo junto é o que torna a minha situação verdadeiramente anormal.
Para agravar as coisas, o meu posto de trabalho é em Lisboa – mas estou em regime de teletrabalho no Alentejo, em Estremoz, num monte isolado.
Estar confinado em Estremoz é como um preso estar em prisão… na natureza. Levanto-me, abro a porta e tenho diante de mim o campo.
É certo que vou com regularidade a Lisboa. Em geral, de 15 em 15 dias. Vejo os meus netos, o meu filho Zé, a minha nora. O meu outro filho está em Genebra. Também tive de ir à Feira do Livro, para duas sessões de autógrafos. Mas um dia destes, ao ver-me no meio dos carros, das buzinadelas, das pessoas apressadas a acotovelarem-se na rua, percebi muito bem o que Salazar sentia há 100 anos quando dizia ter «horror» de vir a Lisboa, e que, quando cá estava, só desejava ver-se no comboio de volta a Coimbra.
O que faço em Estremoz? Por estranho que pareça, o tempo não me chega para nada. Levanto-me tarde, trabalho para o jornal, almoço, volto a trabalhar para o jornal, dou um passeio pelo campo com a minha mulher, os meus cunhados Rui e Alzira, e a cadela Laika, lancho, ponho-me a escrever o meu novo livro, janto – umas vezes em casa, outras no restaurante –, volto a escrever, leio até tarde. Nunca me deito antes das 3h00.
E aí tem, caro leitor – escarrapachada –, a minha vida privilegiada em tempo de pandemia.