Por Filipa Moreira da Cruz
O mês de dezembro está a chegar ao fim e leva o pior ano do século XXI consigo. Mas isso não significa que os problemas terminaram. Infelizmente, o pior ainda está por chegar. Este annus horribilis vai deixar marcas profundas e a recuperação vai ser lenta e dolorosa, a todos os níveis. O vírus despertou demónios adormecidos e as mentes mais perversas e maquiavélicas revelaram-se implacáveis.
Sou otimista por natureza e tento ver sempre o lado bom, inclusive nas situações menos agradáveis. Acredito que as adversidades são uma fonte de crescimento e os erros são uma forma de aprendizagem que não deve ser negligenciada. No entanto, seria demasiado naive se acreditasse que vai ficar tudo bem. Para que isso acontecesse, os seres humanos teriam de mudar quase tudo. Isso exigiria criatividade, esforço, solidariedade e, sobretudo, vontade. Mas ninguém parece estar interessado em abdicar do bem-estar individual em nome da humanidade.
É mais fácil culpar a classe política por todos os males do mundo que assumir a responsabilidade do que nos acontece. Esses seres arrogantes, gananciosos, egoístas e desprovidos de sentimentos. Os homens e mulheres, do governo e da oposição, têm uma pedra no lugar do coração. Razão temos nós que sabemos que todas as desgraças resultam das ações desprovidas de senso dos ditadores, tecnocratas e afins.
Dormimos mais descansados se soubermos que a culpa é sempre dos outros. E à falta de voluntários para enfiar o boné, culpamos os políticos. A crise económica de 2007/2008, o aquecimento global da Terra, a supremacia chinesa, a escassez de água, o envelhecimento da população, as migrações… Tudo isto acontece por causa dos políticos! A covid é apenas mais um flagelo que veio juntar-se aos outros que martirizam o frágil planeta que está cada vez menos azul. E claro, a culpa será sempre dos homens e mulheres do governo!
Em parte não deixa de ser verdade. Infelizmente, o exemplo quase nunca vem dos que, supostamente deveriam ser imaculados. O poder corrompe. Muitos políticos perdem escrúpulos e caráter na ascensão até à glória, esquecendo-se das promessas feitas Todavia, se não mudarmos a forma de interpretar a realidade vai ficar tudo ainda pior. Não podemos esperar, inativamente, que o governo tome todas as decisões. Pequenas mudanças podem fazer a diferença.
Ninguém vai ter saudades deste ano que parecia interminável. Dizer que 2020 foi atípico é um eufemismo. Os nossos nervos foram postos à prova logo a partir de março. E o desfecho foi o esperado. Um Natal passado de forma diferente e um ano novo que será celebrado sem pompa nem circunstância. Sacrifício para muitos e uma situação habitual para tantos outros. Mas o mais importante é manter a saúde física e mental.
Não pretendo terminar o ano sem mencionar algumas boas notícias. 2020 foi implacável, mas conseguiu deixar-nos várias mãos cheias de razões para acreditarmos que, se quisermos, melhor é possível. Seguem cinco:
1. O mundo viu-se livre de Trump.
2. A caça ilegal de rinocerontes na África do Sul baixou 53%.
3. O Chile enterrou (finalmente) a Constituição de Pinochet.
4. O Programa Alimentar Mundial da ONU ganhou o prémio Nobel da Paz.
5. Portugal foi eleito, pela quarta vez, o melhor destino da Europa.
Se cada um contribuir, todos juntos podemos mudar o rumo das coisas. Seria uma utopia aspirar a uma revolução social porque ainda não estamos preparados. Mas pequenos passos podem resultar em grandes ações. Com ou sem os políticos. Até porque somos nós que votamos neles.
Resta-me desejar um 2021 ímpar e, sobretudo, diferente do ano anterior em quase tudo. E por que não sonhar com um annus mirabilis?