Nas ruas da capital centro-africana, Bangui, onde estão estacionadas os militares portugueses no país, vive-se o pânico nas ruas, à medida que se aproxima a primeira ronda das eleições presidenciais, a 27 de dezembro. As estardas estão desertas, as lojas fechadas e a população escondida nas suas casas, com capacetes azuis colocados a defender os escritórios do Governo, segundo a Reuters.
Ainda há uns dias a MINUSCA, a missão da ONU na República Centro-Africana (RCA), que conta com uma Força de Reação Rápida de 180 militares portugueses, repeliu uma ofensiva direcionada à capital, mas boa parte do país continua nas mãos de rebeldes.
Os portugueses, que costumam ter nas suas mãos algumas das missões mais complicadas, estiveram no centro da refrega, em Bossembélé, defendendo uma estrada que é dos principais pontos de acesso de pessoas e mantimentos a Bangui, avançou esta segunda-feira o jornal i. Houve tiroteios com grupos armados, mas a «foram rapidamente resolvidos sem quais quer baixas ou dificuldades da parte do contingente português», garantiu o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho.
«Era muito previsível que numa fase imediatamente anterior à primeira volta das eleições presidenciais, a 27 de dezembro, houvesse um aumento da tensão e, eventualmente, alguma conflitualidade», explicou o ministro. As forças portuguesas, «naturalmente, estavam prontas».
Entretanto, chegaram à RCA trezentos militares ruandeses, e vários media internacionais falam na presença de centenas de tropas e armamento pesado vindo da Rússia – há uns anos, o Kremlin assinou um acordo militar bilateral com Bangui, a troco de acesso a recursos minerais.
O apoio não podia chegar em melhor altura. Os rebeldes já tomaram a quarta maior cidade do país, Bambari, esta sexta-feira, avançou a AFP. Saquearam esquadras, quartéis e casas, além de impedirem a passagem de uma caravana da ONU destinada à capital.
Um país quebrado
Afinal, o que se passa na República Centro-Africana, um país tão rico em diamantes, ouro e outros recursos naturais, esparsamente populado, que parece não conseguir evitar convulsões? As raízes do atual conflito podem ser traçadas até 2013, quando um conjunto de milícias muçulmanas, as Seleka, derrubaram o então Presidente Francois Bozize, um cristão conhecido pela sua governação autoritária.
No meio do caos da guerra civil, surgiram milícias cristãs, os chamados anti-balaka, com massacres de populações cristãs e muçulmanas, juntando-se tensões étnicas à mistura. Após um frágil acordo de paz e a chegada de tropas internacionais, foi eleito como Presidente Faustin-Archange Touadéra, antigo primeiro-ministro nos tempos de Bozize, mas o país nunca saiu da corda bamba.
Hoje, a geometria destas poderosas milícias parece ainda mais complicada. As autoridades centro-africanas acusam Bozize, que foi proibido de concorrer às presidenciais por ter acusações de tortura e homicídio pendentes, de juntar uma coligação rebelde em Bossembélé – incluindo grupos Seleka e anti-balaka.
«Temos medo das eleições. Queremos paz, queremos segurança», apelou Ismail Dicky, um jovem de 20 anos, morador de Bangassou, à Reuters. A sua cidade sofreu um dos piores massacres étnicos do conflito, numa ofensiva anti-balaka, em 2017, em que morreram pelo menos 140 civis, sobretudo muçulmanos, enquanto os capacetes azuis tentavam retomar a localidade.
«Ir votar é o nosso dever, é o nosso direito. Mas o trauma do conflito ainda está lá. Às vezes ainda tenho pesadelos», explicou Daouda, uma mãe que vive em Bangassou, à RFI. Não ajudou que as eleições tenham trazido de novo os anti-balaka ao seu bairro, desta fez para a campanha presidencial de um dos seus líderes, Yvon Nzelete – entretanto, a sua candidatura foi invalidada pela justiça. «Sim, às vezes via-os passar de motocicleta», contou Daoda. «Era assustador».