Portugal é um país atrasado; temos mudado, mas aqueles com quem nos queremos comparar mudaram ainda mais do que nós. Na União Europeia só os búlgaros ganham menos que nós e imaginemos que não tínhamos esta Europa que nos dá e empresta dinheiro. O que seríamos? Na permanente encenação político-mediática somos um caso de sucesso, o que a realidade desmente. As nossas elites são de terceira categoria, mas a responsabilidade é de todos e não apenas ‘deles’.
Os nossos problemas graves são estruturais, e confundimos sempre conjuntura com estrutura. A economia é fundamental, mas até o seu crescimento é inútil quando não há desenvolvimento cultural e social – ou seja, da nossa mentalidade.
Os fatores do atraso são vários, mas centremo-nos num dos principais: o nosso afastamento do conhecimento e da ciência. Existirão mil estatísticas e dados que demonstram o contrário, mas não a realidade. Sociedades que não apostam estruturalmente no conhecimento são sociedades atrasadas, seja na mobilidade social, no exercício do pensamento crítico, na autonomia e na responsabilidade cívica e no exercício da cidadania.
Esse atraso em relação ao conhecimento, que a ser superado significa uma mudança fundamental das mentalidades, está diagnosticado em exemplos maiores da nossa cultura remetidos a sombras. Antero de Quental, António Sérgio, Santa`Anna Dionísio ou Onésimo Almeida são alguns desses nomes. Os diagnósticos estão feitos e encontramos até ações assinaláveis para levar à prática essa mudança estrutural. Mário Soares, independentemente das considerações ideológicas, foi dos pouco políticos que percebeu o papel fundamental do conhecimento e da ciência. Lembro-me do trabalho que Fernando Gil realizou desde os anos 80 para tornar Portugal moderno no plano do conhecimento, e muitas das suas iniciativas abertas à sociedade, sob os auspícios de Mário Soares. Internacionalizar Portugal, trazer os melhores ao nosso país, aprendermos com eles, perceber como se faz e fazer cá como se faz lá fora, debater, aprender e usar as melhores práticas internacionais, mas de modo efetivo e não apenas como um conjunto de intenções. Um outro nome incontornável é também o de José Mariano Gago, assim como o trabalho de divulgação da ciência por parte de Carlos Fiolhais.
Recordemos também o trabalho desse cometa de novidade e modernidade que é a editora Gradiva e o papel único do seu criador. Não foi por acaso que o I Grande Prémio Ciência, instituído pelo Ciência Viva, criado por Mariano Gago foi atribuído a Guilherme Valente, o ‘reitor’ da ‘universidade Gradiva’. Estará ainda por avaliar o impacto nas gerações de cientistas e apaixonados pela ciência, que tiveram e têm as coleções da Gradiva –por exemplo, a ímpar Ciência Aberta –, um autêntico ministério de facto da ciência, da educação e da cultura e um modelo do que se deve fazer. Imaginemos o que seria a nossa cultura científica sem essa editora e o seu editor? Pensemos já nesse oásis de jovens e menos jovens cientistas, a ‘ Gradiva’ que tem nas suas mãos o futuro da ciência por cá e de um outro Portugal.
Guilherme Valente tomou também em mãos uma outra luta crucial, o combate a ‘eduquês’, em nome de um ensino não facilitista, exigente e de qualidade, que nos torne europeus e modernos. Sem uma educação a sério, o futuro está comprometido.
Este são os nossos melhores exemplos. Devíamos segui-los.