O debate começou morno, com um discurso de Ana Gomes a explicar que é favorável a convergências à esquerda, que teve pena por não haver uma geringonça em 2019 formal, similar à de 2015. Mais,prestou "tributo" ao papel dos comunistas nos últimos anos. O adversário estava escolhido: Marcelo Rebelo de Sousa. E, no final, ficou expressa a crença de que é possível uma segunda volta nestas eleições.
"Não vimos aqui brincar às eleições nem para marcar território. Penso que posso chegar à segunda volta e aí tudo é possível se houver uma convergência progressista", atirou Ana Gomes no ínicio do debate televisivo na RTP.
Durante quase meia-hora, os dois esgrimiram argumentos na estação pública. Ana Gomes avisou, desde logo, que está “sempre disponível para convergências, sobretudo quando a democracia está em causa e sobre ataque", num piscar de olho à esquerda. Esta referência surgiu, depois de ter deixado no ar a hipótese da desistência da candidata bloquista, num confronto prévio com Marisa Matias.
A ex-eurodeputada socialista admitiu que da sua parte é possível um acordo. "Não depende de mim, pelo meu lado isso é possível, estarei sempre disponível para convergências. Acho que, sobretudo quando a democracia está em causa, o mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia, mesmo tendo muitas divergências, se possam unir para regenerar e reforçar a democracia", desafiou a ex-eurodeputada socialista. A pergunta era a de saber se era possível uma convergência de candidaturas ( com desistências) à esquerda antes de primeira volta eleitoral, a 24 de janeiro.
Mas o desafio a João Ferreira não colheu. O candidato comunista garantiu que a sua candidatura "é um espaço de convergência de todos os que identifiquem problemas", mas não vê noutros adversários o que a sua candidtura traz à corrida eleitoral. Assunto arrumado.
Numa análise sobre o papel de Marcelo Rebelo de Sousa, João Ferreira disse que fazia uma avaliação menos positiva do mandato do Presidente por comparação com a avaliação de Ana Gomes. E apontou o que não teria feito igual a Marcelo: "Não teria promulgado alterações à legislação laboral que desorganizaram a vida de muitos trabalhadores e deixaram os jovens perante uma situação de maior vulnerabilidade, não teria vetado uma lei que permitia a determinados inquilinos exercer um direito de preferência", entre outros exemplos. Mais, considerou decisivo apontar um "exercício alternativo" do papel do Presidente, cumprindo as questões programáticas da Constituição.
Ana Gomes considerou que a estabilidade política que Marcelo reclama é importante, mas não vale só por si, E que um presidente deveria ter uma magistratura de influência mais ativa na Justiça ou nas questões ambientais. Por fim, ainda deixou no ar a ideia de que a palavra do atual chefe de Estado parece estar a valer a pouco no que toca a influenciar, por exemplo, a saída de ministros. Não o disse desta forma, mas colocou o tema em forma de pergunta: "Muita gente faz essa pergunta ( se perdeu a peso a palavra do Presidente da República). Antes da pergunta, Ana Gomes tinha feito a análise de que sempre que um chefe de Estado quis, um ministro acabou por ser substituído. E foi-o, por exemplo, com Constança Urbano de Sousa. Contudo, nada mudou com as polémicas em torno de Eduardo Cabrita, do Ministério da Administração Interna, nem com o mais recente caso da ministra da Justiça.
Apesar de quase meia hora de debate de ideias sem tensões, os últimos cinco minutos ficaram marcados por fortes divergências em relação à Europa. João Ferreira esclareceu que "nunca" defendeu a saída de Portugal da Europa, mas é preciso que os interesses do país sejam acautelados. Ou que “não aceita que seja a Alemanha a determinar aspetos fundamentais" para Portugal. É esta a sua visão. Ana Gomes levou, por seu turno, a lista de votações de João Ferreira em Bruxelas( que também é eurodeputado) em matérias sobre impostos e penalização de multinacionais. O candidato comunista defendeu-se como pôde. Lembrou que havia diretivas que deixaram de fora multinacionais, por exemplo. "O bom é inimigo do ótimo", retorquiu Ana Gomes, para demonstrar o seu profundo "europeísmo". A conversa acabou por aqui, com Ana Gomes e João Ferreira a esgrimirem argumentos sobre Europa.