O debate entre a candidata presidencial Ana Gomes e o candidato e Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, deste sábado, na RTP, arrancou com o combate à pandemia como tema de fundo.
Ana Gomes foi a primeira a intervir e foi questionada sobre se as medidas agora equacionadas pelo Governo, nomeadamente um novo confinamento, não estarão a demorar demasiado tempo. “Eu não tenho suficientes elementos para me posicionar sobre isso. Quem sabe é quem ouve os especialistas e os cientistas”, disse. Contudo, notou que considera que as eleições foram marcadas demasiado tarde. A preocupação, numa altura em que a situação epidemiológica não é a melhor, é "a abstenção".
“Não sei como é que as pessoas vão votar, em particular as pessoas com mais de 80 anos”, disse.
“Há muito tempo que se sabia que iria haver uma segunda vaga, e havia preparativos a fazer pela Comissão Nacional de Eleições atempadamente”, acrescentou, alertando ainda para o facto de os emigrantes não poderem votar.
Questionada sobre se estava a responsabilizar Marcelo, a ex-eurodeputada foi clara: “Foi o presidente da República que marcou” as eleições.
Marcelo começou por saudar a “embaixadora” Ana Gomes e destacou o “importante papel” que esta teve para Timor-Leste, bem como deputada europeia e comentadora.
Sobre a pandemia, o candidato e Presidente começou por lembrar que tomou a decisão de renovar o estado de emergência por apenas oito dias, precisamente porque “os números eram baixos”, tinham sido feitos “poucos testes” e não haviam “dados suficientes”. Agora "temos números", mas o candidato considera importante esperar pela reunião com os especialistas no Infarmed, na terça-feira, “para encontrar respostas concretas”.
Quanto à data das eleições, Marcelo defendeu que a Constituição só permitia duas datas possíveis – 17 ou 24 de janeiro – e lembrou que esperou até 24 de novembro por uma lei da Assembleia da República sobre o voto antecipado e sobre o voto em isolamento profilático. O candidato disse ainda que era preciso saber a posição dos partidos quanto a um “eventual adiamento” e que os recebeu nesse sentido. “Perguntei-lhes”, explicou Marcelo, acrescentando que a resposta foi negativa.
Depois de Ana Gomes reforçar a prioridade de proteger os grupos de risco e, ao mesmo tempo, permitir-lhes ir votar, nomeadamente os utentes dos lares, Marcelo disse que tem três métodos possíveis: O primeiro parte das autoridades sanitárias que interpretam que os utentes dos lares se incluem na lei do voto de quem está em isolamento profilático, o segundo é a assinatura de um decreto de forma isolada ou, o terceiro, o Presidente, no decreto assinado na quarta-feira, assina expressamente a questão de se equiparar o isolamento profilático aos utentes dos lares.
Questionada sobre se responsabiliza Marcelo pelo que está a acontecer, Ana Gomes admite que é uma situação “difícil”, mas com a “experiência que temos” recomendaria uma proteção a grupos específicos e não um confinamento geral.
“Eu assumo a responsabilidade”, disse Marcelo, admitindo que a coordenação entre os Ministérios da Saúde e da Segurança Social “não correu bem”. “Já admiti há 1 mês e meio”, reforçou, reconhecendo que as expectativas sobre a vacinação e a decisão de aliviar as medidas no Natal tiveram impacto na atual situação. Contudo, lembra que ouviu os partidos sobre a questão das medidas, e todos “se posicionarem nesse sentido”. “A decisão teve o efeito que teve”, afirmou.
“Falei num pacto de confiança com os portugueses que não funcionou. Mas assumo as responsabilidades”, disse, defendendo depois que “não há alternativa ao confinamento geral”.
Ana Gomes foi ainda confrontada com o facto de ter dito que Marcelo era o grande “instabilizador” do Estado. A ex-eurodeputada diz que o Presidente deve apresentar soluções e “não deve oscilar entre ser o pai do primeiro-ministro ou tirar-lhe o tapete, ou até assumir os louros da ação governativa”.
“Penso que o Presidente podia contribuir mais para as soluções”, disse.
Questionada sobre o caso do SEF em específico, Ana Gomes disse que houve “graves erros de todos os agentes de estado e também de Marcelo, que só atuou tarde”. “Houve nove meses de silêncio”, disse, referindo que as falhas foram não só no conforto à viúva, como também em “cuidar” da reforma do SEF.
“Esta é uma das matérias onde eu faria diferente”, frisou, insistindo que o nosso sistema é “semipresidencialista” e, por isso, é suposto o Presidente fazer juízos políticos. “Marcelo Rebelo de Sousa não fez isso nos Açores”, atirou, responsabilizando o atual chefe de Estado pela “normalização de uma força de extrema-direita”, o Chega.
Para Ana Gomes a solução era dar posse ao partido mais votado, “como fez Cavaco Silva em 2015”.
Marcelo começou por responder a Ana Gomes com citações da própria. “Senhora embaixadora tem de estabilizar a sua opinião sobre o Presidente da República”, atirou. “Até ao dia seguinte de apresentar a candidatura achava que a colaboração com o Governo tinha sido magnífica”, destacou Marcelo, que disse ainda que quem “mudou de posição” foi Ana Gomes, “que disse que o primeiro-ministro era igual a Órban”.
O candidato a Belém continuou a sua intervenção e assegurou que interveio no caso do SEF “logo em abril” e que “a reforma do SEF estava a ser tratada em diálogo com o Governo”, uma vez que já era parte do plano do executivo. “Intervim logo no início e não no fim e depois também chamo a atenção que fiz opção de não fazer o telefonema mas a senhora embaixadora que é tão atenta e arguta esteve esse tempo todo sem reparar que o Presidente não tinha intervindo”, disse Marcelo, que questionou depois se não é contraproducente isolar Ventura.
“Aparecem os partidos ouvidos por ordem cresceste, temos acordos. Não aconteceu assim no caso das legislativas? Como é que um PR recusa uma maioria parlamentar?”, questionou.
Ana Gomes respondeu dizendo que o Chega foi um partido legalizado com assinaturas falsas”. “A lei não é para cumprir nesta matéria? Além de que tem um programa claramente anti-constitucional”, disse.
Marcelo reforçou que não concorda com o caminho da ilegalização. “Calá-los é vitimizá-los, não é preciso proibi-los, é preciso vencê-los pelas ideias”, disse, questionado depois porque Ana Gomes não apresentou queixa ao Ministério Público, enquanto cidadão, uma vez que estava tão “indignada”.
“Porque é que não foi ao Ministério Público dizê-lo enquanto cidadã e só o diz agora que é candidata?”, questionou.
“Esperei que os órgãos da República o fizessem”, insistiu a candidata, defendendo que “jamais” permitirá o tipo de acordo que aconteceu nos Açores na Assembleia da República.
Com os ânimos mais acesos, Ana Gomes chamou os “megaprocessos” para a conversa e considerou que o Presidente da República precisa de “dar os meios necessários para o combate à corrupção”.
Marcelo disse que foi sempre contra os megaprocessos e Ana Gomes aproveitou o momento para falar em Ricardo Salgado.
“Sei que o senhor professor, até pela sua relação com Ricardo Salgado, seja dos primeiros a ter interesse em que o caso seja apurado. E sete anos depois, o julgamento ainda nem sequer começou. E o caso BES está ligado ao caso Sócrates, aos casos de evasão fiscal”, disse Ana Gomes.
Marcelo respondeu que se orgulha do trabalho desenvolvido ao longo do mandato, nomeadamente dos megaprocessos que avançaram: “Marquês, BES, Tancos, LEX”, enumerou.
O candidato não gostou da referência a Ricardo Salgado, nomeadamente pela forma como foi feita por Ana Gomes, e lembrou que ex-líder do BES “foi finalmente acusado” no caso BES e teve três condenações.
“Não sei se percebe o quão ofensivo é o que disse”, disse Marcelo. “Escusa de tentar atingir a minha integridade. Eu nunca diria de si aquilo que disse de mim”, atirou, falando depois no nome de Rui Pinto.
Questionada sobre o método de Rui Pinto, Ana Gomes diz que é a justiça que tem de apurar se este cometeu crimes ou não,” mas também tem de valorizar o serviço cívico de interesse público que ele prestou ao revelar o que revelou”. A candidata disse ainda que gostava de ter ouvido a opinião do Presidente sobre o denunciante.
“Falar sobre casos de justiça? Isso fala a senhora embaixadora, que é comentadora”, disse Marcelo, indignado, reforçando que não se expressa sobre processos criminais que estão em curso. “Devia ser muito bonito”, atirou.