Um Governo fragilizado é um governo que tem crises todos os meses. António Costa tem tido todas as semanas.
A da última semana, porém, tem particularidades e o seu enquadramento justifica-se: a nomeação de membros nacionais para a procuradoria europeia é tema sensível. Trata-se da primeira vez que aquela estrutura recém-criada funcionará na Europa. O objetivo é assegurar maior eficiência no combate à corrupção e às fraudes com fundos comunitários.
Para a dirigir foi escolhida uma procuradora romena, Laura Koevesi, que se destacou no combate à corrupção. Conduziu processos contra políticos que levaram à prisão do ex-primeiro-ministro socialista Adrian Nastase e de vários deputados e ministros na Roménia.
Deu-se o insólito de a agora procuradora-geral europeia ter merecido a oposição do seu próprio país (já agora, conviria que Augusto Santos Silva esclarecesse se Portugal foi um dos cinco países que votaram contra).
O perfil escolhido para procuradora geral europeia diz bem do que se pretendeu: alguém que não teme enfrentar o poder político na fiscalização da utilização de fundos europeus.
Não admira que este perfil assuste os políticos de Estados acusados de desrespeito pela separação de poderes e de atentados contra a autonomia do poder judicial – como ouvimos tantas vezes dizer ser o caso da Roménia, da Hungria ou da Polónia.
A má notícia é vermos que o Partido Socialista acaba de colocar Portugal nesse grupo de países. Não é só o afastamento da procuradora Ana Carla Almeida e o facto de esta ter conduzido recentemente processos contra secretários de estado de António Costa. Não é também apenas a circunstância de aquela ter sido a melhor avaliada pelo júri internacional com peritos independentes. Não será ainda exclusivamente o facto de o procedimento do júri nacional nomeado pelo Conselho Superior do Ministério Público ter incorrido em erros.
A tudo isto acresce a evidência de que o Governo – com envolvimento direto da ministra – mentiu quanto ao curriculum do procurador de modo a falsear o seu estatuto e o seu percurso. E vários outros factos que associam no Eurojust José Guerra a Lopes da Mota, procurador que agora está no gabinete da ministra da Justiça e que foi condenado por ter pressionado os procuradores na investigação do processo Freeport, processo no qual um dos visados era irmão do candidato agora escolhido. Ficam demasiadas dúvidas e em política, tantas vezes, o que parece é.
Ao não intervir de modo exemplar e inequívoco, António Costa está a conduzir a uma leitura que acaba por ser inevitável: o Partido Socialista não aprendeu nada com o passado e no poder continua a querer o controlo do regime mais do que a sua bondade. Teme mais do que encoraja a investigação sobre aqueles que entre si possam prosseguir e prosseguem o crime. E no seu intento não olha a meios (do Estado) para o fazer.
Esta não é, pois, uma crise qualquer. A crise da Justiça cava muito fundo a desconfiança. E de crise da semana facilmente passa a crise de regime. Como Marcelo Rebelo de Sousa já bem percebeu, esse é o melhor contributo para a radicalização dos eleitores.