Enfermeiros. Bastonária diz “perceber perfeitamente” quem sai do país

Mais de mil enfermeiros pediram para emigrar em 2020. Ana Rita Cavaco adiantou que também não ficaria em Portugal com as condições atuais.

“Se me quisessem dar um contrato de quatro meses, a ganhar perto de 1000 euros líquidos por mês, a fazer 12 e 16 horas por dia, e a seguir turnos, eu também não ficava em Portugal, por isso percebo-os perfeitamente”. São palavras da bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE), Ana Rita Cavaco, ao i, depois de ter sido divulgado que em 2020, ano marcado pela pandemia, 1230 enfermeiros pediram a declaração para exercer a profissão no estrangeiro. A bastonária aponta o dedo ao Governo e fala sobre os “mecanismos de fixação relativamente a enfermeiros” que foram propostos tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pela OE, que considerou ser este um número surpreendente por se tratar de um ano em que “não houve desemprego na enfermagem” em Portugal.

“O Governo não fez nada daquilo que deveria ter sido feito. Optaram por começar com a estratégia dos contratos de quatro meses, porque acharam que era o suficiente para combater a pandemia, quando nós já sabíamos que íamos ter uma segunda vaga e quando ela previsivelmente chegaria. E andámos alegremente a oferecer esses contratos, preocupados a importar uma grande quantidade de ventiladores, como se eles se ligassem sozinhos. Tornámo-nos e reforçámos o país que importa ventiladores e exporta enfermeiros”, atirou.

De acordo com a OE, mais de 20 mil enfermeiros já se encontram a exercer no estrangeiro, tendo Portugal o “menor número” de enfermeiros por mil habitantes. O facto de não ter sido aberto “um único concurso de vínculo estável” para estes profissionais de saúde é igualmente criticado pela bastonária. “Há que dizer que muitos enfermeiros que, por um vínculo estável, queriam voltar ao seu país. Mas em Portugal não há essas condições”, rematou.

Enfermeiros no estrangeiro
De acordo com a OE, um dos principais destinos de enfermeiros portugueses atualmente é Espanha – país que já registou mais de dois milhões de infetados e 50 mil mortes por covid-19 -, ultrapassando os pedidos de certificados para a Suíça e para o Reino Unido.

“Um colega que trabalha connosco na OE, mas que está no Reino Unido, disse num grupo que nós temos quais são as ofertas que eles têm. Lá, para um turno de 12 horas, pagam 864 euros num dia. E se arranjarem colegas portugueses para irem para lá pagam 560 euros, sendo que os colegas que vão para lá podem negociar o seu salário. Não é igual para todos, porque tem a ver com a experiência e as competências. Ou seja, nada daquilo que existe em Portugal”, reforçou, mostrando-se surpreendida com “a ineficácia do Governo perante isto, porque nós fartámo-nos de avisar e não fizeram nada”.

Ministério fala em “reforço” de enfermeiros
Contactado pelo i, o Ministério da Saúde adiantou que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a assistir a um “reforço significativo” do número de enfermeiros, tendo já sido contratados 2816 profissionais no âmbito das medidas excecionais adotadas pelo Governo para fazer face à covid-19.

“Até à data, foram convertidos em contrato de trabalho sem termo 559 contratos. Este processo de conversão de contratos celebrados por períodos de quatro meses em contratos de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado é gradual, em função da data de entrada em funções dos profissionais de saúde”, explicou a tutela, reforçando que, desde 31 de dezembro de 2015, houve um aumento de mais de 10 mil enfermeiros no SNS.

“O Ministério da Saúde continuará a procurar condições para atrair e fixar profissionais de saúde no SNS”, promete.