Mais uma assustadora variante do SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, começou a alastrar pelo planeta, desta vez originária da Amazónia, levando o Reino Unido – onde foi encontrada outra perigosa variante – a fechar portas a viajantes vindos da América Latina, bem como de Cabo Verde e Portugal, pelas suas relações próximas com o Brasil. Angola seguiu a mesma abordagem, proibindo voos para Cabo Verde, Portugal e África do Sul – onde também se encontrou outra variante.
No total, são três as novas variantes a causar preocupação. Cada uma têm várias mutações, sendo a mais preocupante da britânica a N501Y e a mais preocupante da brasileira a E484, enquanto a variante sul-africana tem ambas as mutações, numa espécie de tag team viral. O assunto faz manchetes por todo o mundo, trazendo receios de que esta pandemia – que já ultrapassou os 93 milhões de infeções registadas e dois milhões de mortes – se torne ainda pior. O grande pavor é mesmo que as vacinas que começam a ser distribuídas não sejam eficazes contra estas variantes.
Algo que se agravou com a notícia de que um estudo publicado na Lancet Infectious Diseases, que ainda aguarda revisão, verificou que a mutação E484, presente nas variantes encontradas no Brasil e na África do Sul, afetavam a eficácia dos anticorpos, fazendo disparar todos os alarmes. Contudo, não é motivo para desesperarmos, assegurou o virologista Pedro Simas, investigador do Instituto de Medicina Molecular, ao Nascer do SOL.
«Estudos mostram que esta mutação tem algum impacto nos anticorpos, mas na vacina, provavelmente, não terá», considera o virologista. Mas os anticorpos não são as pequenas proteínas geradas pelo nosso corpo para combater uma infeção? Exatamente aquilo que as vacinas tentam estimular? «Aqui surge uma outra questão de que se fala pouco: é que que a vacina e a nossa imunidade não são só os anticorpos», salienta Pedro Simas.
«Os anticorpos são importantes para a proteção contra a infeção, mas o mais importante na resposta imune para proteção contra a doença grave é a resposta celular. São as células imunológicas geradas para eliminar do nosso corpo as células contaminadas», explica. «E forma como essa imunidade funciona e reconhece células infetadas não é igual à forma como os anticorpos o fazem, é muito mais robusta face a este tipo de mutações».
O risco mais imediato não é a diminuição da eficácia das vacinas, mas sim o aumento da rapidez dos contágios durante a corrida à vacinação, defende o virologista. Já sabemos que a variante encontrada no Reino Unido alastra a uma velocidade até 70% superior, tornando-se a variante dominante no sul de Inglaterra, e tudo indica que a variante brasileira também será mais contagiosa.
As consequências disso estão à vista de todos no estado brasileiro do Amazonas, que esta quinta-feira bateu recordes, com 3816 novos casos, 2516 deles na capital. Manaus, lar de dois milhões de pessoas, está a ficar sem oxigénio, com o sistema de saúde em rutura face à explosão de casos. «Há pessoas literalmente morrendo sufocadas em suas casas», lamentou Jesem Orellana, investigador da Fundação Osvaldo Cruz-Amazónia, citado pelo UOL. «É o colapso. Um parente meu, com 80% de saturação, estava praticamente sem respirar. E não tem a menor possibilidade de internar em leito».
Não é a primeira vez que o impacto da pandemia em Manaus choca o mundo. Há cerca de oito meses vimos imagens de enormes valas comuns mas desta vez, a cidade tornou-se «a capital mundial da pandemia de covid-19», garantiu Orellana. «Estou revivendo o que assisti em abril de 2020. É simplesmente uma repetição, mas em uma escala maior», assegurou o investigador, que se mostrou seguro de que a nova estirpe da covid-19 é responsável pelo aumento dos casos – ainda que o negacionismo e a constante falta de apoios do Governo de Jair Bolsonaro não ajudem, bem como o rescaldo da época festiva.
«Qualquer país em qualquer parte do mundo não quer ter variantes que são mais difíceis de controlar», alerta Pedro Simas. «Nenhuma variante é resistente à máscara ou ao confinamento total porque os vírus são parasitas celulares obrigatórios, dependem de nós para se espalharem. Mas assim torna-se mais difícil controlar».
A nova ameaça surge num momento em que a pandemia de covid-19 acelera por todo o planeta, inclusive em Portugal, com planaltos mais elevados entre cada pico de infeções e com cada vez mais focos na comunidade.
«Agora, o perigo é estarmos a tentar controlar a terceira vaga – ou continuação da segunda vaga, chamem-lhe o que quiserem – com a perspetiva muito provável da disseminação da variante do Reino Unido em Portugal», alerta o investigador. Sabendo que, lá fora, entre as florestas da Amazónia se espalha outra variante preocupante que até já foi detetada no Japão – um país com fortes relações com o Brasil, tal como Portugal.