Quando a ministra da Cultura foi confrontada com a pergunta legítima sobre as razões que levaram o Governo a fechar os espetáculos culturais e a permitir as celebrações religiosas, Graça Fonseca respondeu que não se pode suspender um direito que está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
O que diz a Constituição sobre o tema?
O número seis da Constituição da República Portuguesa, sobre a suspensão do exercício de direitos, diz-se que «a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião».
No momento em que lhe fazem a pergunta, Graça Fonseca ‘espalda-se’, e bem, nos direitos fundamentais que consagram que o direito de liberdade de religião não pode ser afetado pela declaração do estado de emergência.
Fiquei contente ao ouvir estas palavras por duas razões. Primeiro, porque o direito de liberdade de religião – note-se, de todas as religiões – foi respeitado. Depois, porque estas palavras foram proferidas no contexto do anúncio de um apoio do Governo ao setor da cultura.
Não deixa de ser irónico os comentários que surgiram na comunicação social e nas redes sociais sobre este assunto, fazendo as comparações naturais de quem não compreende o que se está a passar. As comparações são sempre as comparações, mas mostram às o desconhecimento que temos da vida espiritual dos homens, já para não falar da má vontade que está no coração de muitos comentadores.
Há coisas que convém esclarecer!
Na primeira vaga de confinamento, as igrejas não fecharam – aliás, não havia qualquer ordem para fechar as igrejas. O que aconteceu é que a Igreja Católica para garantir a segurança dos seus cristãos e para não colocar o Governo numa posição desconfortável decretou ela mesma por suspender as celebrações comunitárias.
Mas, provavelmente, hoje já ninguém se lembra que no desconfinamento os cafés, os restaurantes, os centros comerciais e muitas outras zonas comerciais foram abertas e as celebrações religiosas só tiveram permissão para abrir um mês depois. Que me lembre, não houve ninguém que se preocupasse com a vida das paróquias e a sua sustentabilidade financeira? Não houve quaisquer linhas de apoio!
É curioso que nessa altura eu próprio pensei e escrevi aqui nestas crónicas que estava a pensar em ir celebrar missas para os restaurantes, porque estes podiam estar abertos, mas as igrejas não.
Depois, é de notar que as igrejas tiveram uma quebra na prática dominical de dois terços. Ao longo destes meses, muitos cristãos que vão às celebrações religiosas chegam a ficar na rua ou a ter de ir embora por não haver espaço para acolher tantas pessoas. Afinal, temos de cumprir as regas de dois metros entre cada pessoa e meter as máscaras e álcool gel e desinfeções por tudo e por nada – enquanto nos restaurantes se está lado a lado, sem máscara.
Não estou aqui a fazer um ataque ao setor da cultura que, na minha opinião, é das áreas mais importantes da vida humana. Aliás, a relação da educação com a Cultura é quase inexistente e penso que deveria ser a maior aposta de qualquer Governo: dar às crianças o gosto pela música, pelas artes, pela pintura, a escultura, o teatro.
Provavelmente muitos dos poucos cristãos que ainda vinham às celebrações religiosas deixarão de vir nas próximas semanas, enquanto durar este estado de emergência. Mas há uma coisa muito importante. Os portugueses sabem que, independentemente da sua religião ou crença, as igrejas continuarão abertas e poderão usufruir, sem ter de pagar, de um espaço que os escute, os acolha, os compreenda.