A polémica começou com um vídeo feito pelo deputado do PSD e médico Ricardo Baptista Leite no passado domingo à noite, em que relatou a experiência vivida nas urgências do Hospital de Cascais no sábado anterior. "Nunca vi tantas pessoas morreram num só turno de 12 horas", começa por dizer Ricardo Baptista Leite, que no próprio dia, no final do turno, já tinha feito o desabafo nas redes sociais: "Nunca vi tanta gente a morrer em tão curto espaço de tempo como nestas 12 horas de urgência. Porra para isto!".
Partilhado centenas de vezes, o vídeo em que Ricardo Baptista Leite fala de "dor e sofrimento indescrítiveis" e uma "sensação de impotência de não podermos fazer mais" viria a ter resposta esta segunda-feira da parte da presidente do grupo parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, que nas redes sociais revelou que o hospital tinha confirmado três mortes no turno feito por Ricardo Baptista Leite no hospital, afastando uma mortalidade fora do comum e acusando Baptista Leite de politiquice. "Não duvido da sua vontade, mas tenho sérias dúvidas do seu desinteresse. Porque se é verdade o momento de dificuldade do nosso Sistema de Saúde e a situação de desgaste dos nossos profissionais, não é verdade, e o senhor sabe que não é verdade, a mortandade que descreveu no Hospital de Cascais no sábado passado. Faleceram três pessoas no covidário, cuja morte muito lamentamos, e cinco foram transferidas para a UCI."
Ao i, o Hospital de Cascais confirmou esta terça-feira que no último sábado morreram seis pessoas no Hospital de Cascais, "três dos quais na urgência dedicada a doentes suspeitos ou positivos Covid-19, tendo um desses óbitos ocorrido no turno entre as 8h00 e as 20h00." São os números avançados por Ana Catarina Mendes mas, questionado sobre se foi um número de óbitos superior ao de outros dias, o relato feito por Baptista Leite, o hospital confirmou que sim: "Foi um dia em que lamentámos um número de óbitos superior à média registada durante esta pandemia", refere a resposta da unidade enviada ao i, que adianta que nos últimos sete dias faleceram 16 pessoas com covid-19 na instituição, três no sábado. Referência que não surge na resposta de Ana Catarina Mendes a Baptista Leite, que adiantou ter questionado o hospital. "Sabe porque é que sabemos disso? Porque perante o seu grito de alerta, perguntámos ao Hospital o que se passava. Peço-lhe que seja deputado por inteiro e não pela metade. E respeite a dor, a morte e o luto de tantos portugueses e respeite o trabalho dos profissionais de saúde. Há limites para a politiquice."
Hospital diz que ventilação na urgência pode ser necessária, mesmo sem pandemia
No vídeo, Ricardo Baptista Leite fala do esgotamento dos colegas e faz uma descrição da ventilação de doentes nas urgências, por falta de vagas em UCI e gestão "com pinças" das poucas vagas em enfermaria, falando de um "cenário de guerra" naquela urgência. Sobre este relato e questionada sobre a ventilação de doentes na urgência por falta de vagas, a administração do Hospital de Cascais esclarece que a "entubação/ventilação de utentes, sempre que necessária, é uma prática habitual nos serviços de urgência, mesmo antes da atual pandemia. Assim, os doentes que entram na urgência e necessitam desta intervenção, são submetidos à mesma numa sala de reanimação."
O Hospital de Cascais adianta que dispõe de sala de reanimação quer na urgência para suspeitos ou positivos de Covid-19, como na urgência geral. "Depois de submetidos a esta técnica clínica, os doentes ficam à espera de transferência para UCI. Esta transferência poderá ser imediata ou carecer de espera para disponibilização de cama na mesma unidade. Caso não se verifique vaga na UCI, o doente fica a aguardar a transferência para outra unidade. De salientar que, até à data, não houve nenhum caso em que o plano terapêutico tenha implicado a permanência no Serviço de Urgência de um doente ventilado", informa a unidade, gerida em parceria-público privada pelo grupo Lusíadas.
Esta terça-feira, no Parlamento, Ana Catarina Mendes voltou a fazer uma referência ao caso: "Este combate não é o combate dos voluntários por um dia para fazer política no outro, não é o combate de 170 pessoas num jantar sem um mínimo de distanciamento para no outro dia chorar lágrimas de crocodilo pelas mortes”, disse Ana Catarina Mendes, alusões a Baptista Leite e a André Ventura.
Estão mesmo a morrer mais pessoas nos hospitais
Os dados da plataforma nacional de vigilância de mortalidade, que não distrinçam mortes por covid-19 de mortes por outras doenças, mostram que, polémicas à parte, desde o início de janeiro têm morrido nos hospitais portugueses mais doentes do que em qualquer outro ano ou inverno com dados disponíveis, numa altura em que a mortalidade global no país atinge máximos históricos. Há nove dias que morrem mais de 600 pessoas por dia no país. Como o i noticiou na semana passada, desde 1980 só tinha havido dois dias com mais de 600 mortes no país, em junho de 1981, durante uma vaga de calor.
No dia em que morreram seis doentes no Hospital de Cascais registaram-se em todo o país 399 óbitos em instituições de saúde. Desde dia 4 de janeiro que morrem diariamente mais de 300 doentes nos hospitais, tendo sido o pico até à data atingido no dia 12 de janeiro com 442 mortes em ambiente hospitalar ou outro tipo de instituição de prestação de cuidados. Nos últimos sete anos com dados disponíveis no site de vigilância de mortalidade do Ministério da Saúde, que o i consultou, tinha havido apenas dois dias com mais de 300 mortes nos hospitais, em janeiro de 2017 e nenhum com mais de 400 mortes. No espaço de uma semana houve cinco dias com mais de 400 mortes nos hospitais, uma mortalidade sem comparação com outros anos. Esta segunda-feira registaram-se no país 218 mortes associadas à covid-19, o registo mais pesado desde o início da pandemia. Os boletins da DGS não permitem perceber quantas mortes ocorreram nos hospitais, no domícilio ou em lares, mas o i sabe que a maioria dos óbitos tem sido registado nos hospitais.