Desde o início do ano, as crianças e jovens têm vindo a registar uma subida mais acentuada nos diagnósticos de infeção por SARS-CoV-2 do que os restantes grupos etários. A conclusão é de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) que fazem a modelação da epidemia. Ontem, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes voltou a defender, ainda antes de ser conhecida a decisão do Governo, a necessidade de ponderar o encerramento das escolas a partir dos 12 anos, agora à luz também do que tem sido a evolução da incidência nestes grupos etários. Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica ao i a análise que está agora a ser feita diariamente pela equipa da FCUL, segmentando as infeções por grupo etário, e destaca dois indicadores: por um lado, o grupo dos 18 aos 24 anos regista agora a incidência mais elevada de novos casos por 100 mil habitantes no país, com 1552 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. Já o grupo dos 13 aos 17 passou desde dia 5 de janeiro a ocupar o terceiro lugar, com uma incidência acumulada de 1167 casos por 100 mil habitantes – tendências coincidentes com o período de regresso às aulas. Carmo Gomes salientou na SIC que não há informação sobre onde ocorrem os contágios, considerando que, perante a emergência que se vive no país, deve ser tido em conta o princípio da precaução. A proposta que fez na última reunião no Infarmed foi no sentido de haver ensino à distância acima dos 12 anos durante duas a três semanas, para desacelerar os contágios. A equipa da FCUL estima que atualmente estejam a ocorrer diariamente 12 500 novas infeções, apontando para 2700 casos que noutras alturas seriam diagnosticados e agora ficam por detetar por ter sido o limite da capacidade de deteção e rastreio de contactos – um diferencial que tem vindo a aumentar, alertou. Projeta-se a esta altura que tanto os internamentos como os óbitos continuem a aumentar, podendo aproximar-se dos 200 óbitos/dia no próximo fim de semana.
CASOS AUMENTARAM 42% EM CRIANÇAS ATÉ AOS DEZ NA ÚLTIMA SEMANA Os dados disponibilizados diariamente pela Direção-Geral da Saúde (DGS), que o i analisou, permitem perceber que, na última semana, o grupo etário em que mais aumentaram os diagnósticos face à semana anterior foi nas crianças até aos dez anos de idade. O número de casos detetados nas primeiras semanas do ano atingiu recordes em todas as faixas etárias e tem vindo a subir também em todas mas, se na primeira semana do ano a maior subida foi no grupo dos dez aos 19, nesta semana que terminou no último domingo foi o grupo dos mais novos a registar o maior aumento.
Em relação à semana anterior, o número de casos diagnosticados no país subiu 16%, com um total de 67 195 diagnósticos, tendo sido a semana com mais reportados desde o início da pandemia. No grupo dos zero aos nove anos, a subida foi de 42%, o dobro da média. Segue-se um aumento de 21% nos casos diagnosticados em crianças e jovens dos dez aos 19 anos de idade. As crianças e jovens nestas faixas etárias representam 16% dos casos diagnosticados no país, o que é uma distribuição idêntica à que existia na primeira semana de dezembro. No entanto, na altura, em sete dias eram diagnosticados 4184 crianças e jovens infetados e na última semana foram 10 849, o que explica a incidência por cada 100 mil jovens duas vezes acima do que havia então. Na última semana, o grupo etário com maior peso nos diagnósticos continuava a ser o dos 40 aos 49 anos, representando 16% dos diagnósticos, com 11 mil casos reportados no espaço de sete dias.
IDOSOS TAMBÉM MAIS ATINGIDOS Se a população ativa, que expetavelmente circula mais, tem tido ao longo dos últimos meses um maior peso no total de casos diagnosticados, os idosos foram sendo progressivamente cada vez mais atingidos e os dados das últimas semanas mostram novos recordes de infeções entre os mais velhos e potencialmente mais vulneráveis. Na semana passada foram diagnosticados com covid-19 10 171 idosos com 70 ou mais anos, o número mais elevado de sempre numa semana. A semana anterior já tinha superado todos os recordes de infeções diagnosticadas entre os mais velhos, com mais de 8 mil casos. Em dezembro, semanalmente, houve 4 mil a 5 mil casos nestes grupos etários. Desde o início de janeiro somavam-se este domingo (os dados conhecidos ontem) 18 677 idosos com 70 ou mais anos infetados, quando em todo o mês de novembro e, depois, em todo o mês de dezembro tinham sido cerca de 20 mil, já bastante mais do que nos meses anteriores. Em outubro foram diagnosticados 8500 idosos. Estes números superam-se agora numa semana e fazem prever um aumento da mortalidade.
O i procurou perceber junto da Direção-Geral da Saúde se existe informação sobre os principais contextos de transmissão da doença e se, no caso dos idosos, as novas infeções têm ocorrido maioritariamente em lares ou fora de instituições, mas não houve ainda um balanço. Também sobre os jovens em idade escolar não existe informação a esta altura sobre se se trata de contágios em contexto familiar, social ou mesmo escolar. Perante o aumento acentuado de casos, os inquéritos epidemiológicos têm estado mais demorados, o que dificulta ter esse tipo de informação. Na última reunião no Infarmed foi dada a indicação de que à data não havia informação epidemiológica sobre 87% dos casos.
PORTUGAL PASSA OS 1200 CASOS POR 100 MIL HABITANTES Que a situação é má, restam poucas dúvidas: Portugal é agora o país europeu com maior incidência de casos por 100 mil habitantes e, segundo a última avaliação feita pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, referente à primeira semana de janeiro, era na altura o oitavo país com maior testagem por 100 mil habitantes. Nos últimos sete dias, mesmo com os especialistas a acreditarem que pode estar a haver maior subdiagnóstico, passou Reino Unido, República Checa e Irlanda.
Com os casos divulgados no boletim desta segunda-feira, a incidência cumulativa a 14 dias – o indicador que tem sido usado nas comparações internacionais e que reflete o número de diagnósticos ao longo de duas semanas a dividir pela população de cada país – atingiu os 1212,9 novos casos por 100 mil habitantes. Na região Norte atingiu os 1168,9 casos por 100 mil habitantes, na região Centro 1434,6 casos por 100 mil habitantes, em Lisboa e Vale do Tejo 1272 casos por 100 mil habitantes, no Alentejo 1369,6 casos por 100 mil habitantes e no Algarve 995 casos por 100 mil habitantes. Até aqui, apenas o Algarve continuava abaixo dos 960 casos por 100 mil habitantes e a região está agora também acima do patamar de risco extremamente elevado.
INCIDÊNCIA MAIS DO QUE DUPLICOU EM 82 CONCELHOS Também esta segunda-feira, como é habitual, a DGS divulgou uma nova análise de incidência por concelho, referente ao período de 30 de dezembro a 12 de janeiro. Nessa altura, a última terça-feira, havia já 155 concelhos no patamar de risco extremamente elevado, acima dos 960 casos por 100 mil habitantes, quando em dezembro foram sempre menos de meia centena. Na terça-feira passada, o país estava com uma incidência cumulativa de 981 casos por 100 mil habitantes, pelo que entretanto houve um agravamento de 23% e os dados por concelho agora conhecidos não refletem ainda a situação atual. Mostram, no entanto, que o recorde de incidência de novos casos que se viveu em Paços de Ferreira no pico da segunda onda, quando passou os 4 mil casos por 100 mil habitantes, foi neste início do ano superado por Cuba (5658 casos por 100 mil habitantes e, na última terça-feira, havia já vários concelhos a caminho desse patamar, nomeadamente do Alentejo. Nos concelhos menos povoados são precisos menos casos para fazer subir este indicador de incidência por 100 mil habitantes, mas a situação, por exemplo, na Área Metropolitana de Lisboa (AML) ilustra o agravamento da epidemia. Lisboa, Loures ou Odivelas registavam, já na passada terça-feira, mais de mil casos por 100 mil habitantes, níveis de contágio sem precedentes na AML, depois de o Norte ter vivido uma maior disseminação da pandemia em outubro e novembro. Em relação à análise divulgada pela DGS na passada segunda-feira, que dizia respeito ao período até 5 de janeiro, há 82 concelhos onde a incidência de casos de covid-19 mais do que duplicou neste período e noutros 50 aumentou mais de 70%.
Quem é mais atingido em cada região?
Semanalmente o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças publica dados sobre a incidência de casos de covid-19 por 100 mil habitantes nas diferentes sub-regiões de cada país, fornecidos pelas autoridades nacionais. É informação que não está disponível nos boletins da DGS e mostra algumas diferenças na evolução da epidemia por região, mas também como a nova vaga de casos em nada se compara com o que o país viveu até aqui. Estes foram os gráficos atualizados na passada sexta, com dados até dia 10. Janeiro superava já os picos de novembro em todo o país, à exceção do Norte. A Área Metropolitana de Lisboa e o Alto Minho registam os maiores níveis de incidência entre os jovens com menos de 15 anos, acima dos 1200 casos por 100 mil habitantes.
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