A pandemia veio acelerar a necessidade de uma maior aposta e enfoque por parte das empresas nos meios digitais. Mas se, para muitas, essa é uma estratégia que já entrou no dia a dia, há muitas outras que vão ter de adaptar-se a esta nova realidade. «Graças à difusão mundial das tecnologias de informação e comunicação, todas as organizações conseguem hoje combinar elementos tradicionais e digitais na gestão das suas atividades». A garantia é dada à Luz por Adriano Freire, autor do livro Estratégia – Criação de valor sustentável em negócios tradicionais e digitais. E dá exemplos: «Uma pastelaria de bairro pode usar equipamentos e ferramentas convencionais para produzir bolos e pão, e cobrar aos clientes com um software de faturação. De igual modo, uma agência de viagens online pode comercializar diretamente voos e alojamento em hotéis pela internet e prestar assistência pessoal complementar através de um call center».
Ainda assim, admite que a transformação digital requer uma mudança de mentalidade e de competências nos líderes empresariais. E, como tal, deixa um conselho: «Importa clarificar a diferença entre digitização e transformação digital», reconhecendo que, «na realidade, muitas organizações em negócios tradicionais já digitalizam documentos e digitalizam processos para melhorar a execução da sua estratégia, mas ainda são poucas as que promovem uma verdadeira transformação digital que impacte em todo o ciclo estratégico. As primeiras etapas enfrentam geralmente dificuldades técnicas e financeiras, enquanto a última tem de ultrapassar a resistência à mudança dos líderes e dos colaboradores…por isso, a transformação digital começa geralmente pelas áreas comerciais (vendas online, por exemplo), onde os benefícios são mais notórios, e só avança mais tarde para as restantes áreas da empresa».
Adriano Freire reconhece que a reação à pandemia do covid-19 tem sido bastante distinta em diferentes setores. E faz um raio-x aos setores. No seu entender, no setor primário, as organizações agrícolas, de pecuária e pesca tiveram de se manter em atividade para assegurar o abastecimento às redes de distribuição. Mas admite «que a interação digital na gestão das encomendas e da logística passou a ser a norma».
Por seu lado, nos setores secundário e terciário, muitas empresas industriais e de serviços suspenderam temporariamente as suas operações, passando algumas funções para teletrabalho e preservando apenas os postos de trabalho essenciais para minimizar os prejuízos. «Os negócios relacionados com viagens e transportes, como a aviação, a hotelaria e o petróleo, foram dos mais afetados pela queda da procura, enquanto o retalho alimentar físico e online e a produção de artigos de consumo doméstico, como papel higiénico e detergentes, bem como o retalho farmacêutico e a produção de medicamentos, beneficiaram das ‘compras de segurança’ e precisaram mesmo de contratar mais colaboradores».
E os exemplos não ficam por aqui. O autor do livro Estratégia – Criação de valor sustentável em negócios tradicionais e digitais lembra ainda que vários produtores de equipamentos, têxteis, cervejas e perfumes aproveitaram a crise para adaptar as suas instalações e passaram a fabricar ventiladores, testes, batas, máscaras ou gel desinfetante. Mas, de uma forma geral, a opção digital possibilitou poupanças significativas nas funções de suporte, e ajudou a reforçar as práticas já normais de interação remota com clientes, distribuidores e fornecedores.
Mais adaptados
Melhores notícias dizem respeito ao setor quaternário, uma vez que, segundo Adriano Freire, as empresas tecnológicas adaptaram-se facilmente ao teletrabalho digital e continuaram a laborar. E as alterações não ficam por aqui. «A necessidade universal de comunicar, estudar e colaborar remotamente fez disparar a utilização das redes sociais e das plataformas online de videoconferência. Por outro lado, para relaxar, os jogos de vídeo online e o streaming de filmes e música tornaram-se ainda mais populares». Para tal, não hesita: «Para muitas destas empresas, como a Zoom e a Netflix, a pandemia foi uma verdadeira rampa de lançamento».
Aliás, no livro são abordados 1.500 exemplos práticos de empresas portuguesas e estrangeiras sobre as novas abordagens estratégicas face a um mundo que está a mudar e as empresas também. E a Netflix é um dos casos apontados. «Atualmente com investimentos de oito mil milhões de dólares, consegue produzir cerca de 400 novos conteúdos por ano», diz, acrescentando que as receitas já são superiores a 20 mil milhões de dólares. «A Netflx continua a reinventar-se para criar ainda mais valor sustentável».
Outro exemplo apontado é a Zara, onde Adriano Freire destaca a reinvenção constante, sendo considerada como líder mundial da fast fashion mas com «futuro incerto». E explica porquê: «Para ser acessível ao mercado de massas, a Zara utiliza materiais baratos que duram pouco tempo, gerando todos os anos muito desperdício de roupa. Para reduzir ainda mais os custos, vários dos seus fornecedores do sudoeste asiático são mesmo suspeitos de explorar mão de obra infantil. Por outro lado, os químicos usados na produção em grande volume provocam uma grave poluição ambiental em comunidades frágeis». Questões postas em causa principalmente pelas gerações mais novas.
Face a este cenário a empresa ‘mudou’ de estratégia e passou «por reforçar as vendas online e dinamizar o envolvimento nas redes sociais; promover a reciclagem começando logo no design das roupas, eliminar os químicos perigosos na cadeia de abastecimento; usar apenas linho e algodão sustentável e reciclar o poliéster; utilizar 80% de energia renovável nas instalações». Umas alterações que levam o autor a admitir que está a «corresponder às maiores exigências do mercado e da indústria».