2021 será o ano em que a pobreza extrema mundial irá aumentar pela primeira vez no espaço de tempo de 22 anos. Se por um lado, a ONU prevê que 235 milhões de pessoas necessitem de ajuda humanitária, por outro o Banco Mundial alerta que o número de indivíduos a viver em pobreza extrema pode chegar aos 150 milhões. No relatório publicado em outubro do ano passado pode ler-se que «durante mais de duas décadas, a pobreza extrema estava a descer consistentemente. Agora, pela primeira vez, a luta para acabar com a pobreza sofreu o seu pior retrocesso». Além da Covid-19 como principal impulsionadora deste problema, aponta-se também para as alterações climáticas e para os conflitos presentes em várias partes do globo como fatores de risco.
Em Portugal, os dados são semelhantes. Contactada pelo Nascer do SOL, Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome (BA) avança que «entre abril e maio houve um pico de pedidos de ajuda», que começaram gradualmente a diminuir e voltaram a aumentar novamente no final do ano. Sobre quem procura ajuda, a presidente do BA explica que são «famílias que nunca tinham convivido com uma situação de pobreza» e que agora não sabem como lidar com a situação. Pessoas que sempre tiveram um emprego e maneira de sustentar a família, veem-se agora desamparados e em alguns casos envergonhados por terem de pedir ajuda. É esse o caso de milhares de trabalhadores do setor do turismo e da restauração por exemplo.
Os novos desempregados
Joana Aires e José Rodrigues trabalhavam num café na zona do LxFactory. Quando se instalou a pandemia e foi decretado o estado de emergência o casal entrou em layoff. Não foi preciso muito tempo para que o estabelecimento deixasse de ter dinheiro para lhes pagar e os despedisse. Os jovens, ambos na casa dos 20 anos, moram juntos e viram-se obrigados a pedir ajuda à mãe de José para que conseguissem garantir as suas necessidades. A busca por um novo emprego também não foi fácil. Joana continua à procura e a ter de viver com subsídio de desemprego. José conseguiu um posto de trabalho num call center passados três meses de busca.
É essa a situação em que cada vez mais portugueses vivem atualmente. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, em novembro do ano passado, a taxa de desemprego situava-se nos 7,2%. Se desde 2012 tinha vindo a descer, chegando em 2019 aos 6,4%, este ano a pandemia fez com que o que era observável há sete anos desse uma volta de 180 graus. O aumento do desemprego trouxe também um aumento da pobreza. Os números não escolhem setor, género ou idade. No entanto, de acordo com Isabel Jonet, os «novos pobres» são na sua maioria pessoas jovens que já tiveram um emprego e pertencentes à classe média.
Os novos apoios
Nuno Pacheco é padre em duas paróquias do distrito de Setúbal – Santo André e Alhos Vedros. Quando contactado pelo Nascer do SOl explicou que o número base de famílias ajudadas semanalmente pela paróquia em conjunto com o Banco Alimentar é de 48. Em Santo André contam ainda com a ajuda mensal do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC), 156 famílias, o que representa um universo de 500 pessoas ajudadas por mês. No entanto, em março o número de pedidos de ajuda evoluiu de tal maneira que o padre se viu obrigado a criar um outro programa de ajuda imediata. Por um lado, o protocolo de inscrição de famílias no programa da paróquia estava perto de atingir o limite; por outro era necessário recorrer a «burocracias» para as quais não havia tempo para pedir este tipo de apoio. Como solução, as paróquias criaram o programa de ajuda DECOR. «Muita gente perdeu o emprego em março e a partir daí. Alguns deles são pessoas de outras nacionalidades que nem sempre tinham tudo o que era necessário para se inscreverem na ajuda do BA. Por isso, criámos o projeto DECOR e desde março já ajudou mais de 500 famílias divididas entre estas duas paróquias», explicou o padre.
Telma é uma das pessoas que faz a distribuição da ajuda fornecida pelo programa DECOR e acredita que «por causa do novo confinamento, como as crianças vão voltar para casa e deixar de almoçar na escola, os pedidos voltem a aumentar». A voluntária explica ao Nascer do SOL que, para além de comida, é também distribuída roupa e ocasionalmente produtos de higiene.
Rita (nome fictício) foi uma das pessoas que necessitou de pedir ajuda para conseguir sobreviver. Ajovem de 28 anos vê-se nesta situação pela primeira vez. Até março, tanto ela como o marido tinham emprego. Apandemia fez com que uma família estável necessitasse de recorrer a terceiros para conseguir sobreviver. Rita tem dois filhos, um deles com um ano e outro com nove. No início, através da DECOR, conseguiu receber algumas fraldas e produtos de higiene para as crianças mas assume que agora «as pessoas já não dão tanto, por isso é mais comida» que tem recebido ultimamente. Para o filho mais velho, Rita chegou a receber material escolar e livros de fichas que não estão incluídos nos vouchers de manuais escolares atribuídos pelo Governo. Com as escolas encerradas, Rita tem mais uma refeição para dar ao filho e conta que já pediu «à Telma para ver se consegue arranjar mais qualquer coisa, nem que seja uns enlatados».
Cada vez mais portugueses se veem obrigados a pedir ajuda para ter o que comer e o que vestir. Os números conhecidos não correspondem totalmente à verdade, visto que há quem não peça por não se sentir à vontade. Com um novo confinamento é de esperar um aumento semelhante àquele que se deu em março, sendo por isso importante que, quem pode, contribua para ajudar aqueles que sozinhos não conseguem.