A Pátria está doente» – dizia Carmona em 1925. E estava, de facto. Estava de tal modo doente que uma revolta no ano seguinte instauraria uma ditadura que iria durar uns longos 48 anos.
Hoje, a pátria está de novo doente.
A abstenção de 55% nas presidenciais, os 12% de votos num candidato que se diz contra o sistema, significam alguma coisa.
Não adianta gritar «Vem aí o fascismo», nem insultar André Ventura, pois isso não mudará coisa nenhuma.
O regime não tem de olhar para os outros: tem de olhar para si próprio, tem de ver-se ao espelho e procurar descortinar o que não está bem.
Para lá do problema ‘de fundo’ da educação, que vem de há muito tempo, esta ‘doença da pátria’ tem vários sintomas visíveis à vista desarmada, de que destaco cinco – que os partidos do sistema, por falta de coragem, não abordam e que concorrem para a insatisfação dos portugueses.
1. A diabolização do ‘orgulho nacional’
Até há não muitos anos, o ‘orgulho nacional’ era um sentimento que não se discutia. E estava longe de ser um exclusivo ‘da direita’. Por ele, os republicanos cobriram de luto a estátua de Camões, insultaram a Inglaterra, avançaram para a guerra.
E hoje esse orgulho continua a existir, embora as pessoas tenham vergonha de o assumir.
Mas basta ir a um jogo da Seleção Nacional de futebol e ver como o público aplaude os ‘nossos’ jogadores. E por que são saudados com tanto entusiasmo os golos de Ronaldo ou os êxitos de Mourinho no estrangeiro? Porque são portugueses. Apenas por isso. Não há mais nenhuma razão.
Ora, a extrema-esquerda tem procurado envergonhar os portugueses, dizendo-lhes que o orgulho nacional, o nacionalismo, é um sentimento maligno, próximo do fascismo – e os portugueses retraem-se. Encolhem-se. Do mesmo modo, apresenta-lhes o passado do país como uma sucessão de pilhagens e violências exercidas sobre povos indefesos, praticadas por bandidos e traficantes de escravos.
Por isso, a extrema-esquerda boicotou a existência de um Museu dos Descobrimentos, propondo em seu lugar um Museu da Escravatura.
Ora, algum povo gosta de ter vergonha do seu passado? E de ver enxovalhados os seus antepassados?
2. O ‘regresso’ do racismo
A extrema-esquerda insiste constantemente na ideia de que os portugueses são racistas e deviam fazer mea culpa. Ou seja: andámos a explorar os negros em África e agora maltratamo-los aqui, em Portugal. Mais uma vez, é o nosso orgulho que sai amachucado.
Mas será verdade?
Os episódios racistas multiplicam-se em Portugal? Há violência estrutural sobre os negros? Alguém é recusado num emprego por ser negro? Os futebolistas negros não são tão adorados como os outros?
Em certas áreas, não haverá hoje até uma discriminação positiva dos negros, eventualmente por complexos de culpa, observável por exemplo nos anúncios televisivos (que, quase todos, incluem negros)? Ou nas telenovelas?
É certo que a maior parte dos negros em Portugal exerce profissões menos qualificadas, designadamente na construção civil. Mas isto resulta mais da falta de habilitações (e, às vezes, da falta de documentação) do que da cor da pele.
Há episódios racistas em Portugal? Claro que há. Como há em todo o mundo. Mas nada tem feito mais pelo racismo do que as organizações antirracistas. E as desastradas campanhas antirracistas. E as descabeladas afirmações de senhores como Mamadou Ba.
Esses sim: fomentam o racismo.
Parece mesmo que essas organizações antirracistas, para se justificarem, gostariam que a maioria dos portugueses fosse racista. Era a forma de mostrarem a sua razão de existir. Se não houver racismo, ou se o racismo for residual, para que servirão elas?
3. O ‘endeusamento’ da imigração
As migrações vão ser um dos grandes problemas deste século. Já estão a ser. É natural que as pessoas que vivem nas regiões mais pobres queiram vir viver para as regiões mais ricas, designadamente a Europa e os EUA. Mas não é viável.
Há bairros de Paris, Londres, Bruxelas, Amesterdão, até Estocolmo, para não falar em Nova Iorque, onde já não entram os naturais do país. Onde imperam outras leis, outros hábitos e costumes, outras culturas, outras religiões. Ora, isto é uma bomba-relógio que mais tarde ou mais cedo rebentará.
É óbvio que tem de haver regras para a imigração. É preciso controlar esta ‘invasão silenciosa’.
Até porque não faz muito sentido – convenhamos – que povos que quiseram a sua independência, que lutaram pela sua independência, que fizeram a guerra contra os países colonizadores, desejem agora vir viver para estes países. Faz algum sentido que um natural de Angola ou de Moçambique, que lutou contra a exploração dos portugueses, que lutou para expulsar de lá os portugueses, queira vir viver para Portugal? Sujeitar-se a ser governado pelos que o exploraram? Não seria lógico que, depois de conseguida a independência, ficasse na sua terra, a promover o seu desenvolvimento, em vez de se mudar para o país colonizador?
4. A desagregação da família
Outro tema tabu é a família. A extrema-esquerda e a direita liberal não gostam da família. E percebe-se porquê. A direita liberal prefere falar do ‘indivíduo’, e não da ‘família’, como célula-base da sociedade. E, defendendo a liberalidade dos costumes, não aprecia a moral familiar. Acha que cada um deve ser livre para fazer o que quiser e não ficar amarrado a códigos de comportamento.
Quanto à extrema-esquerda, não gosta da família pelas razões conhecidas: gostaria de a substituir pelo Estado, para ser dada às crianças a educação ‘conveniente’.
Ora, goste-se ou não, a família é mesmo a célula-base da sociedade. É aí que a criança encontra a sua segurança material e afetiva. É aí que cresce e se desenvolve de modo equilibrado, com uma mãe e um pai. E, pela vida fora, a família é a sua primeira rede de assistência social. O seu porto de abrigo.
O Estado nunca substitui a família, porque há uma zona – dos sentimentos – onde o Estado não pode entrar. Portanto, sem estabilidade nas famílias não é possível haver uma sociedade bem organizada.
5. A confusão de referências e valores
A liberalização do aborto, a autorização das mudanças de sexo, a propaganda homossexual, a legalização das drogas leves, a eutanásia, tudo isto são sinais de uma cultura que em vez de se concentrar na vida se concentrou na morte e na glorificação dos comportamentos atípicos.
Uma cultura mórbida, que rompeu um dogma civilizacional que era a consideração da vida como um valor absoluto. Agora, tudo é relativo: pode interromper-se a vida no início, pode pôr-se fim a uma vida em certos casos. Ora, quando se transpõe a linha que separa a vida da morte, tudo passa a ser possível.
Por que razão a extrema-esquerda o faz? Porque, consciente ou inconscientemente, lhe interessa derrubar os fundamentos desta civilização – para, sobre os escombros, construir outra. As referências, os dogmas, as verdades que considerávamos absolutas são contestadas e desmentidas.
A principal referência da humanidade – a existência de homens e mulheres – é posta em causa. Não há homens nem mulheres, há ‘géneros’. Seres de sexo indefinido. Que podem nascer homens e tornar-se mulheres, e vice-versa. O relativismo impôs-se. A confusão instalou-se.
Ora, sendo estes problemas óbvios – e altamente condicionantes da vida de uma sociedade –, nenhum partido do sistema tem mostrado coragem para os debater.
Algum partido fala do orgulho nacional? Ou questiona a imigração? Ou defende a família? Ou põe em causa as mudanças de sexo? E porquê? Por medo de ferir suscetibilidades, de perder votos. E foi aí que André Ventura partiu a ganhar: teve a coragem de quebrar alguns desses tabus e trazê-los à discussão.
É verdade que também tem medo de abordar certos temas. Há assuntos que escaldam – e Ventura foge a tratá-los. Nunca o vi falar da transexualidade nem do aborto, fala pouco da família, fala alguma coisa do orgulho nacional, fala mais da imigração, fala bastante do racismo.
Mas não falando de todos os temas-tabu por falta de coragem, as pessoas para quem essas questões são importantes acham que, apesar de tudo, é ele quem está mais perto de os discutir e abordar. E portanto votaram nele.
As últimas décadas em Portugal foram de grande ascendente da extrema-esquerda, que dominou o debate ideológico e conseguiu aprovar tudo o que quis.
Os partidos mais à direita não puderam ou não quiseram fazer frente a esta avalancha. Ora, André Ventura explorou essa passividade – e bastou isto para lhe dar uma grande margem potencial de crescimento.
E foi o que se viu: sem estrutura, com os media todos contra, reduzido praticamente a si próprio, conseguiu 12% dos votos nas presidenciais. O Partido Comunista, com sedes em todo o país, com militantes, com autarcas, com experiência e uma grande história por trás, não conseguiu que o seu candidato fosse além dos 4,3%. Um terço.
Não é possível fechar os olhos a esta realidade.
Torna-se óbvio que muitos portugueses estavam sequiosos por que aparecesse um político sem medo de falar de certos problemas que estavam à frente dos olhos mas sobre os quais se estabelecia um silêncio sepulcral.
É isso, sobretudo, que explica o sucesso de Ventura – sem querer menorizar a energia e capacidade política que mostrou.