Depois de um mês de janeiro com recordes de contágios, mortes e hospitalizações de doentes com covid-19, a primeira semana de fevereiro confirma que o pico de infeções já terá sido ultrapassado em todo o país, mesmo na região de Lisboa, onde chegou a estar projetado apenas para a próxima semana. Esta sexta-feira o relatório semanal do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) trazia esse sinal de alívio: os especialistas do INSA que dão apoio técnico ao Governo calculam que na últimos últimos cinco dias de janeiro o RT ficou finalmente abaixo de 1 em todo o país: os infetados passaram a gerar um número inferior de novos contágios e daí o menor número de diagnósticos esta semana. Lisboa mantém o RT mais elevado, de 0,96, e a situação mais complexa, já que é também agora a região do país com uma maior incidência de casos. Nos últimos sete dias, foram diagnosticados no país 57 mil novas infeções, uma média de 8 mil casos por dia, já abaixo do pico de 12 mil casos que se atingiu no fim de janeiro. Mas novos contágios em Lisboa são ainda de mais de 4 mil por dia.
No último fim de semana Lisboa chegou a atingir uma incidência de 2.141 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, um patamar de contágios que, segundo os dados disponíveis no Centro Europeu de Controlo e Prevenção e Doenças, só foi alcançado em Bruxelas e numa região da República Checa. Portugal viveu a maior vaga de covid-19 a nível europeu neste início de ano e com o número de mortes acumulado nas últimas semanas superou esta semana a Espanha no total de mortes por covid-19 por milhão de habitantes. É agora o 12.º país do mundo com mais mortes associadas à covid-19 desde o início da epidemia. Esta sexta-feira contabilizavam-se 13.740 mortes associadas à covid-19 em Portugal. No final de 2020 tinham morrido 6.972 pessoas no país, pelo que no espaço de um mês e poucos dias, o número de mortes associados à pandemia no país praticamente duplicou, com mais 6.768 mortes desde o início do ano.
Reunião do Infarmed analisa desconfinamento
Para a próxima terça-feira está marcada uma nova reunião do Infarmed, com o ponto de situação na agenda e o desconfinamento no horizonte, bem como a análise do que ficou para trás. As escolas fecharam a 22 de janeiro e as opiniões continuam divididas.
O desconfinamento é o próximo passo a analisar, numa altura em que a epidemia dá sinais de cedência mas a situação nos hospitais está longe de estar resolvida – esta sexta-feira o número de doentes com covid-19 internados em cuidados intensivos ultrapassou os 900. Há um ano, havia 629 camas de UCI no país. Abriram mais camas, a resposta expandiu mas invadiu blocos de operatório e alas de recobro, com praticamente toda a atividade cirúrgica do SNS de novo parada para dar resposta ao tsunami de doentes com covid-19 – e os outros doentes a aguardar pelo momento de alívio, sendo que inicialmente as operações não urgentes tinham sido suspensas pelo Governo até ao fim de de janeiro e já passou mais uma semana.
Lisboa transfere doentes e UCI alemã já está operacional
A região de Lisboa ultrapassou os planos de contingência em matéria de covid-19 e a descida nas admissões nos hospitais nota-se mais a Norte e a Sul. Mas tanto o Norte como o Algarve têm estado a receber doentes de Lisboa e também para a Madeira já foram transferidos doentes. Quantos ao todo não tiveram resposta em Lisboa não é público. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo indicou esta sexta-feira ao SOL que ao todo estão internados nos hospitais da região 2 914 doentes com covid-19: 2.550 em enfermaria e 348 utentes em UCI e ainda 16 doentes em hospitalização domiciliária. Acrescem a estes os doentes em estruturas de retaguarda como o hospital de e hospitais privados e os que foram enviados para outros pontos de país, um balanço que não foi facultado pela ARS. O Hospital de São João, no Porto, informou ontem ter recebido mais dois doentes para cuidados intensivos transferidos do Hospital Egas Moniz e do Amadora-Sintra.
A semana ficou marcada pela chegada de uma equipa de médicos e enfermeiros alemães, que mediante um acordo entre o Ministério da Saúde e o Hospital da Luz abriram um núcleo de oito camas de cuidados intensivos no hospital privado em Benfica, que desde a semana passada também já tinha uma enfermaria reservada para doentes do Hospital Amadora-Sintra, assegurada por uma equipa de médicos e enfermeiros do hospital. Ontem ao final do dia, as oito camas para doentes críticos a cargo dos alemães já estavam operacionais mas ainda não tinham recebido doentes. O Ministério da Saúde confirmou entretanto que, na sequência de contactos bilaterais, o Governo austríaco disponibilizou capacidade para tratamento de 10 doentes de cuidados intensivos em diversos hospitais do país. Esta semana, numa entrevista à Visão, a Ministra da Saúde admitiu que as estimativas apontam que entre 6 e 20 fevereiro o número de doentes em UCI pode chegar aos 1.100. «Nunca pensámos que isto fosse acontecer», admitiu Marta Temido, assumindo que o planeamento não previu uma pressão desta ordem.
País pode chegar aos mil doentes em UCI
Com os internamentos em enfermaria a abrandar no global, e as regiões com mais folga a apoiarem as restantes, a incógnita é perceber se as admissões em UCI também começam a diminuir, o que ainda não aconteceu esta semana. Mantendo-se a taxa de aumento dos últimos sete dias, em que houve apenas um ligeiramente abrandamento face à semana anterior e há uma subida de 12% nos doentes em UCI, Portugal poderia chegar já no próximo fim de semana aos mil doentes em cuidados intensivos. Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que trabalha com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos especialistas ouvidos nas reuniões no Infarmed, admite no entanto que esta semana comece também a ser visível um abrandamento. A incerteza é que os internamentos são prolongados, em média com a duração de 15 dias, e a pressão é muito elevada, pelo que os sinais de diminuição de contágios devem ser encarados com prudência, defende. «Há o risco de haver um relaxamento por parte das pessoas e sabemos que mesmo medidas de confinamento têm um ponto de saturação na sua eficácia e que a forte descida a que assistimos nos contágios nas últimas semanas pode ter alguma estabilização. Começa a haver alguns indícios disso no Norte», diz.
Ainda assim, o investigador admite que o país poderá não chegar aos mil doentes em UCI. Só num cenário em que se mantém um confinamento com a atual redução de contactos até ao final de fevereiro é que projetam que o país possa voltar a registar menos de 100 mortes por dia associadas à covid-19, o que será muito mais do que se verificou na maioria do ano passado. Portugal passou a barreira das 100 mortes diárias a 8 de janeiro. Na última sexta-feira morreram 303 pessoas infetadas no país.
Nos hospitais, continua-se a esticar a capacidade. O Hospital Pulido Valente, em Lisboa, que nos últimos meses, era uma unidade covid free, começou progressivamente a receber doentes com covid-19 e já tinha adaptado uma unidade de cuidados intermédios para doentes covid-19. Este sábado a última unidade de cuidados intensivos que até aqui estava reservada a doentes com outras patologias passa também a estar dedicada à covid-19, disse ao Nascer do SOL Filipe Froes, pneumologista e coordenador da unidade. São mais seis camas a postos para receber doentes críticos na capital. «Apesar de os números de novos contágios estarem numa fase mais estável e decrescente isso ainda não teve uma tradução muito significativa nos doentes internados em enfermaria e cuidados intensivos e por isso temos de continuar a preparar-nos para uma maior sobrecarga», defende o médico, que coordena também o gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos. Froes explica que as unidades estão a receber doentes mais jovens e que ficam mais tempo ventilados, o que torna mais difícil perceber quando chegará o momento de alívio nos hospitais. «Não nos podemos esquecer das imagens iniciais da epidemia em Espanha e Itália, que nos devem fazer preparar para o pior cenário esperando que não seja necessário. O que explica a situação agora em relação à primeira onda foi termos mudado de uma atitude proativa para uma atitude reativa. Em março entrámos em confinamento de forma proativa e em janeiro fizemo-lo reativamente já muito atrás do vírus. Termos tido uma epidemia tão leve em março pode ter-nos dado má perceção do risco da pandemia».