Gamestop – David contra Golias dos mercados

Nas últimas semanas a desconhecida ação de um retalhista de eletrónica tornou-se na arena de um autêntico confronto David contra Golias. Trata-se de mais um daqueles eventos, raros e surpreendentes, que atraem muita atenção mediática e também política, ao ponto de se falar já de uma série Netflix. No meio de todo este espetáculo, existem…

Nas últimas semanas a desconhecida ação de um retalhista de eletrónica tornou-se na arena de um autêntico confronto David contra Golias. Trata-se de mais um daqueles eventos, raros e surpreendentes, que atraem muita atenção mediática e também política, ao ponto de se falar já de uma série Netflix. No meio de todo este espetáculo, existem claras questões de conflitos de interesses que foram postas a nu.

Tudo começou quando um grupo da rede Reddit – wallstreetbets – frequentado por entusiastas de mercado particulares identificou uma oportunidade bastante astuta nas ações de um retalhista em declínio estrutural – a Gamestop. Um dos utilizadores notou que esta ação apresentava uma quantidade extremamente elevada de vendas curtas, ou seja, apostas na expectável desvalorização de um negócio em declínio por via da concorrência online. Como cada um dos grandes fundos ‘curtos’ no título é um potencial comprador do mesmo – por ser a forma que têm para fechar a aposta – os vários Davids da wallstreetbets organizaram-se para os espremer, ou por outras palavras forçá-los a cobrir as suas posições muito acima do seu preço de venda inicial. As fisgas de eleição nesta fábula foram as opções da Gamestop, uma via que permitiu a cada pequeno investidor obter uma quantidade muito superior por via do efeito de alavancagem presente neste tipo de produtos derivados.

A jogada tornou-se viral, e as várias bolas de neve – financiadas em grande parte pelos recentes cheques de estímulo americano – transformaram-se numa avalanche que abalroou os grandes investidores curtos da ação. As compras amontoaram-se de tal forma que o preço começou a escalar uma montanha impensável – ao ponto da valorização ter atingido mais de 2300% – avaliando a empresa muito acima do seu valor intrínseco e pelo caminho forçando muitos dos fundos a fecharem as posições em pânico. As perdas foram de tal forma monstruosas que apagaram mais de metade do valor total de alguns fundos – algo que demonstra bem como o mercado é impiedoso para investidores que não gerem eficazmente o seu grau de risco.

O frenesim tornou-se político no ponto em que as plataformas de negociação utilizadas – sendo a Robinhood o nome mais sonante – começaram a restringir a capacidade dos pequenos investidores de colocar ordens em mercado. Voaram acusações de alteração de regras a meio do jogo, de disrupção do livre funcionamento do mercado. Elaboraram-se muitas teorias sobre o que poderia estar por trás desta decisão, porém julgo que tal se deve principalmente aos conflitos de interesse presentes na operação do gigante financeiro Citadel. Este autêntico conglomerado dos mercados de capitais paga centenas de milhões à Robinhood anualmente pelo negócio de execução das ordens dadas na respetiva plataforma de negociação. Por outras palavras, é uma contraparte crucial para a Robinhood ao mesmo tempo que, por via de outro braço, tem parcelas de investimento nalguns dos fundos que foram apanhados em contramão. O claro conflito de interesses aumenta a probabilidade da Citadel ter procurado exercer a sua influência sobre a plataforma de investimento, e infelizmente a Robinhood terá sucumbido à pressão ao ponto de arriscar a credibilidade da sua marca… e nome.

*Gestor de fundo de investimento macro