Aremoção dos brasões florais da Praça do Império, em Belém, continua a dividir opiniões e a fazer correr tinta. A controvérsia remonta a 2014, quando a Câmara Municipal de Lisboa abriu um concurso para remodelar a Praça. Na opinião do vereador do Ambiente José Sá Fernandes tratava-se de símbolos «ultrapassados» do colonialismo. António Costa era então o presidente da Câmara e tinha dúvidas. Mas dois anos depois, o projeto vencedor, pelo ateliê ACB, previa mesmo o desaparecimento dos brasões, colocados no jardim 21 anos depois da sua construção, aquando da Exposição Nacional de Floricultura.
«É uma história deliberadamente mal contada», acusava então Sá Fernandes. «Estamos a discutir uma coisa que não existe. A Câmara decidiu fazer um concurso de ideias e vai aprovar hoje o projeto vencedor escolhido por um júri independente».
Com a discussão mais acesa do que nunca, trata-se agora, para uns, de apagar ou não a memória, enquanto outros defendem que só por puro sectarismo político se pode discordar do novo projeto.
Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra e um dos diretores da recentemente publicada História Global de Portugal (ed. Temas e Debates), tem memórias antigas daquele lugar. «O jardim da Praça do Império, em frente aos Jerónimos, foi o meu primeiro espaço de recreio», recorda ao Nascer do SOL.
«A Câmara de Lisboa, que anunciou, sem concretizar até agora, o Museu dos Descobrimentos, quer intervir naquele jardim, eliminando um conjunto de brasões vegetais relativos às ex-colónias», lamenta o físico. «Não devemos discricionariamente mexer em símbolos do passado, por muito odioso que este tenha sido (e, no caso do colonialismo, a violência foi inaudita)», refere.
E, se um dos argumentos apresentados pelos defensores da substituição dos brasões tem sido o mau estado do próprio jardim, Fiolhais recomenda: «Os jardins estão maltratados? Pois há que cuidar deles em vez de inventar jardins novos».
E vai mais longe: «Na mesma lógica de revisionismo da obra de Cottinelli Telmo, autor do jardim e do Padrão, poder-se-ia pensar em destruir a cidade universitária de Coimbra, também da sua autoria. Não corresponde aos gostos de hoje (eu não gosto!), mas já é património nacional. Ou em destruir em Coimbra o Portugal dos Pequenitos, de Cassiano Branco, também da mesma época».
Disparate completo ou uma questão de respeito?
Posição bem diferente tem o socialista João Soares. «Esta polémica toda tem sido feita estritamente por razões político-partidárias do mais sectário que é possível, que dizem que se quer apagar a história e é um disparate completo», considera o antigo presidente da Câmara de Lisboa. Na sua opinião, a suposta remoção dos brasões trata-se na verdade de um mal entendido até porque «o Fernando Medina é um homem profundamente tolerante que obviamente sabe que não se deve desrespeitar a nossa história». Para João Soares a questão nem se põe: ninguém quer «remover coisa nenhuma, porque aquilo simplesmente não existe».
Além dos brasões nos canteiros, a Praça do Império tem também brasões projetados por Cottinelli Telmo, que se encontram à volta da Fonte. Para João Soares, esses sim, são «brasões autênticos em pedra e que vão ser melhorados, tal como foram melhorados variadíssimas vezes».
A questão tem dado pano para mangas e as opiniões têm sido variadas. Pedro Santana Lopes, também ele antigo presidente da Câmara de Lisboa, também se opõe às alterações. Ao Nascer do Sol declara «que não devem ser removidos por uma questão de respeito».
Será esta uma «questão simbólica profundamente parcial», como defende António Costa Pinto? O historiador explica que existem duas linhas que podem explicar a destruição de monumentos. A primeira, uma «rutura política que faz com que os símbolos do passado sejam destruídos», um tipo de fenómeno a que se assistiu em quase todas as «transições para a democracia». E dá como exemplo a remoção das estátuas de homenagem a Estaline. No seu entender, não é disso que se trata no caso Jardim do Império: a decisão de remover os brasões florais «é produto da própria legitimidade democrática», uma vez que resultou de uma maioria obtida na Assembleia Municipal. Relativamente à discussão pública, o historiador acredita tratar-se de algo normal: «É natural que esta intervenção na Praça do Império seja muito polémica porque nós estamos a definir aquilo a que, nós académicos, chamamos de politicas do passado, sendo também natural que enquanto alguns digam que o passado deve permanecer com os seus símbolos tal como está, outros digam que não». O que está em causa, no seu entender, «não é uma luta entre o que está e o que está mal porque ninguém quer saber do bem e do mal».
Do concurso à petição
Já fez sete anos desde que a Câmara Municipal de Lisboa decidiu levar a concurso a reabilitação dos Jardins da Praça do Império, ladeados pelo Mosteiro dos Jerónimos e pelo Centro Cultural de Belém, «excluindo dessa intervenção alguns brasões por, alegadamente, serem ‘símbolos do colonialismo’», lê-se na moção apresentada na altura. A autarquia explicou então que não se iriam «despender recursos financeiros a recuperar os brasões criados pelo Estado Novo das antigas colónias portuguesas e que há muito não existem, nem sequer como arranjos florais no local».
Em setembro desse ano, a Junta de Freguesia de Belém, presidida por Fernando Ribeiro Rosa (como se mantém atualmente), propôs-se a cobrir os custos da manutenção dos canteiros. Em Assembleia Municipal, o tesoureiro do organismo, João Carvalhosa, caracterizou a intervenção como um «atentado cultural», salientando que que os jardins da Praça do Império «não são armas ideológicas ou revisionistas», mas sim «património cultural de todo um povo».
Já este ano, a Nova Portugalidade avançou com a petição ‘Contra o apagamento dos Brasões da Praça do Império’, que conta já mais de 13 mil signatários, entre os quais Bagão Félix, António Barreto, Fernando Ribeiro Rosa e Carmona Rodrigues. Rafael Pinto Borges, promotor da petição afirmou sentir-se indignado perante «a destruição de património material e simbolicamente insubstituível por mero fanatismo ideológico» do vereador da CML José Sá Fernandes.