No momento mais inconveniente, em Estado de Emergência, em luta pela vida, o Parlamento ocupa-se em legislar sobre a morte. Não podia haver momento mais infeliz para decidir sobre desistir da Vida.
A Humanidade está perante uma batalha, única em gerações, pela sobrevivência. Todos os dias observamos o empenho sobre-humano de médicos e enfermeiros em salvar vidas tomadas por uma das mais mortais pandemias de todos os tempos. A comunidade científica trabalha afincadamente e os Governos concentram-se neste desafio. Salvar vidas tem sido o desígnio de todos. Mesmo quando a vida está por um fio, ninguém desiste.
Neste contexto de luta pela vida, a Assembleia da República entreteve-se a debater a eutanásia. Sejamos claros: a eutanásia é desistir da vida, é provocar a morte.
O momento é particularmente infeliz e isso diz muito sobre o valor concedido à Vida e sobre o verdadeiro empenho na sua salvaguarda. Mas, sobretudo, para além da inoportunidade, o que está em causa é a tradução prática desta decisão: A eutanásia significa desistir da vida e, ainda mais grave, é ser o Estado a colaborar nesta renúncia.
A questão está muito para além de convicções religiosas. O que está em causa é a solidariedade e o cuidado pelos outros. O Estado, que deve ser laico, nem por isso deve abdicar de princípios basilares de coesão social. Permitir a eutanásia não é respeitar a liberdade individual, mas a promoção do individualismo e do egoísmo.
Desistir da vida é contranatura. De outro modo já não existia vida humana. A vontade de desistir da vida merece compreensão, mas não conformação. A dor, a solidão, a desesperança devem merecer o empenho da família, dos mais próximos e da sociedade. Ajudar, dar um pouco de nós próprios a quem precisa de atenção, deve ser a atitude solidária a tomar. O Estado deve assegurar as condições de apoio para resgatar cada pessoa da desistência da vida.
Há muito para fazer para promover as atitudes de solidárias na sociedade, por vezes começando na família ou na vizinhança. Mas o Estado também tem muito para cumprir na promoção de condições que obviem o sofrimento na doença e na solidão. A eutanásia é, quando reconhecida pelo Estado, um sinal de desistência e de cobardia. É mais fácil e mais cómodo desistir da vida do que investir nas condições para a preservar.
A contradição entre o esforço no combate à pandemia e a fraqueza na cedência à eutanásia é chocante.
A atual crise tem demonstrado que a Ciência e o empenho da sociedade conseguem esforços e concretizações antes julgados impossíveis.
Os conceitos vagos e indefinidos que sustentam a eutanásia como sejam o «sofrimento intolerável» ou a «doença incurável» (hoje sim, mas talvez não amanhã), quando confrontados com as possibilidades de evolução da ciência e a criação de condições de assistência pelo Estado, tornam-se motivações insuficientes para justificar a irreversibilidade da morte provocada.
Acresce que a eutanásia significa um corte com valores fundamentais da nossa cultura e vida em sociedade, pelo que qualquer alteração só poderia ser viabilizada com um larguíssimo consenso nacional que, manifestamente, não ocorreu.
Nestas circunstâncias, a decisão do Presidente da República em suscitar a fiscalização preventiva da lei da eutanásia é a mais adequada.