A maioria dos estudantes da Universidade de Coimbra – mais exatamente, 74%, percentagem que corresponde a sete em cada dez alunos – quis desistir do curso durante o primeiro confinamento.
Esta é uma das grandes conclusões do estudo O Impacto do Confinamento na Academia de Coimbra, levado a cabo pela Associação Académica de Coimbra (AAC).
Aos 22 anos e no quarto ano de Medicina, Ana (nome fictício), apesar de não ser uma pessoa naturalmente otimista, conseguiu «manter a cabeça em ordem dentro das possibilidades».
No segundo semestre do ano letivo passado, cumpriu os objetivos aos quais se propôs, mas essa conquista teve um preço elevado. «A dificuldade aumentou e não nos facilitaram nada a vida, antes pelo contrário, tive um momento, já no final do semestre, em que penso ter atingido o meu limite», admite a rapariga que, à semelhança de 60% dos estudantes da instituição, teve dificuldades em nutrir sentimentos positivos tal como em esperar algo bom do futuro.
«Nunca me senti tão em baixo durante os três anos de curso que completei», conta, admitindo que a sua tábua de salvação, durante as férias de verão, passou por alguns passeios com os pais e amigos que auxiliaram muito a sua saúde mental.
No entanto, «o pouco contacto clínico, fulcral nos últimos anos de curso para consolidar aquilo que se aprende», que se concretizou através de «duas ou três idas ao hospital», desanimou a estudante deslocada que, desde janeiro, se vê obrigada a ir a Coimbra para realizar os exames e tal conduz a que se integre no grupo de 80% de discentes que reiteraram que se sentem habitualmente afetados a nível emocional, com sentimentos de frustração, angústia, ansiedade e nervosismo repetitivos.
«Não me sentia segura porque os casos, em Portugal, só aumentavam e passei três semanas na cidade, sem ir a casa, para garantir a segurança da minha família», acrescenta a jovem. «Vivíamos os momentos de avaliação com falta de distanciamento social à entrada para os mesmos e enquanto os realizávamos», admite.
‘Questiono-me sempre se a pessoa está infetada’
Com a mesma idade de Ana, Francisca Gonçalves está na reta final de Engenharia Química. Natural de Mirandela, estava habituada a viver a cerca de 230km de casa até ao dia em que regressou à cidade do distrito de Bragança sem saber o que esperar.
«Tínhamos zero noção de que isto era assim tão grave. Mandaram-nos duas semanas para casa e pensámos que seriam mais ou menos umas férias», elucida. «Foi um abre-olhos e percebemos que a situação era árdua», afirma a futura engenheira que considera que «os professores quiseram dar uma ajuda» e, na sua faculdade, não foi permitido implementar o método de avaliação de exame que valesse mais de 70%.
Na ótica de Francisca, que manteve as classificações do período pré-pandemia, a qualidade do ensino virtual não está a ser a mesma do ensino presencial. «Quando estou a assistir a uma aula, penso que podia estar a fazer outra coisa, mas depois obrigo-me a acreditar que isto vai passar», assevera.
«O facto de não sabermos aquilo que vai acontecer deixa-nos aflitos. Não há maneira de descomprimir, de nos juntarmos, tudo acontece online», refere, admitindo que a pandemia contribuiu para que a ansiedade que sofria se mantivesse, juntando-se aos 30% de alunos que raramente se sentiram calmos.
«Todos os dados assustam-me, porque me preocupo comigo e com a minha família», narra a rapariga que tem dois colegas de casa e nem sempre se sente segura.
«Cada um tem a sua rotina e questiono-me sempre se a pessoa está infetada, mas costumo dizer que temos de normalizar um bocado a situação porque senão nunca mais faremos nada», confessa, sentindo-se, por outro lado, privilegiada por voltar a casa estando num bom ambiente e não tendo sofrido com a falta de material escolar como 12% dos estudantes.
Todavia, em Mirandela, aquilo que a prejudicou mais foi a qualidade da Internet, mesmo tendo recursos financeiros para suportar essa despesa. «Além disso, antes ia às bibliotecas para estudar e, agora, distraio-me muito. Não existe uma quebra entre os dois ambientes, estou sempre no mesmo sítio», realça, representando os 92% colegas que se sentiram menos concentrados e produtivos em momentos de estudo e/ou avaliação.
«Não me passou qualquer tipo de ideação [pensamento] suicida pela cabeça, apesar de tudo o que está a acontecer ser aterrador», elucida o elemento da vertente da Informática da Secção Cultural da AAC. «Mas compreendo que 20% dos alunos tenham ponderado colocar fim à vida porque estamos sempre no limbo entre o encerramento e a manutenção do funcionamento presencial das escolas e isso leva-nos ao limite», revela.
«Se pudesse falar com alguém do Ministério da Educação, abordaria de imediato a cobertura de rede porque claramente nem todos temos as mesmas oportunidades», diz, apelando a que os métodos aplicados no Ensino Secundário sirvam como exemplo para o Ensino Superior. «Os alunos mais novos vão ter Internet sem limites e também devia ser-nos dada essa chance», avança.
A perspetiva de um trabalhador estudante
«Desistir nunca foi opção. Apesar das dificuldades económicas sabia que queria licenciar-me. A um semestre de terminar a licenciatura e após quatro anos e meio do curso de História da Arte, só tenho pena de não ter aproveitado mais o percurso académico, o cultural e o convívio», desabafa Joel Fernandes, sendo um dos 26% que nunca pensaram em abandonar os estudos.
«Obtive bases para uma carreira profissional e ânimo para prosseguir para um possível mestrado. Mesmo com quase 27 anos, não perdi o fôlego. Sabia que poderia ter de adiar este sonho se ficasse sem trabalho, mas ainda estou longe dos meus objetivos», declara.
«Sentimos frustração e raiva porque queríamos ter uma vida universitária normal»
Ainda não esqueceu o sonho de ser médico, mas dedica-se a Direito como se essa tivesse sido sempre a sua primeira opção. Foi a segunda, porém, Filipe Semedo, de 20 anos e no terceiro da licenciatura, quer viver em pleno aqueles que, segundo lhe disseram, seriam os melhores anos da sua vida. «Nunca tínhamos vivido um cenário assim, não havia precedentes, e acabava por ser um tempo de criar novos hábitos e rotinas e levou a que tivéssemos dificuldade a ambientar-nos», explica o estudante, referindo-se ao primeiro confinamento. «Foi um grande choque. Estávamos habituados a ir à faculdade, a ter os nossos horários, a conviver, a ter atividades extracurriculares, e ficámos sem isso e enclausurados», recorda o jovem.
Para o apaixonado por Direito Penal, o segundo confinamento torna-se diferente porque não constitui uma novidade, contudo, «continua a ser tudo muito monótono», principalmente, porque os alunos «têm de demonstrar sempre interesse pelo estudo e estar concentrados», algo que nem sempre é natural tendo em conta a situação epidemiológica do país. «Vivemos com a covid-19 e ter aulas online não é o mesmo que ter aulas presenciais. Não há o ambiente palpável que modifica tudo e as matérias não são apreendidas do mesmo modo», avança o rapaz que, apesar das críticas tecidas ao ensino realizado inteiramente online, acredita que existe «mais entreajuda».
«Nunca tive nenhum problema psicológico e acho que, com o confinamento, um estudante comum pode relatar que as rotinas tornam-se mais árduas. Sentimos frustração e raiva, porque queríamos ter uma vida universitária normal. Aquilo que se apodera de mim é a angústia», alinhando-se com os 40% que nutrem este sentimento. «Eu sou de Coimbra, estou em casa, mas nem toda a gente tem essa facilidade, como os estudantes internacionais. Tenho a minha familia por perto, os meus amigos do liceu, etc. E eu penso muito nisso, que há colegas estrangeiros que ficam e não têm uma rede de apoio», admite, aludindo aos 9 em cada 10 estudantes brasileiros que viram a sua cognição social prejudicada.
«Dei por mim a não conseguir dormir. Toda esta situação levava-me a questionar o futuro. Uma licenciatura que é concluída online com todos os meios… será que é valorizada como uma terminada presencialmente?», ainda pergunta Filipe, com a mesma incerteza de há quase doze meses. «Eu acho que os sentimentos dos estudantes de todas as instituições acabam por ser iguais. Se fossem feitos estudos noutras cidades, creio que os dados seriam muito parecidos», remata.
«O impacto que o cenário pandémico tem em mim é o facto de me sentir um pequeno pontinho entre tantos outros pontos. E percebi que as coisas são como são e talvez tenha duvidado um pouco do meu valor e questionado se consigo fazer isto, se sou realmente bom a Direito», conclui o rapaz que passa pelo mesmo que metade dos inquiridos que responderam que sentiram ter pouco valor enquanto pessoa.
A necessidade da mudança
Após um ano letivo como aluna de primeiro ano numa licenciatura que não a agradou, Luísa (nome fictício), de 19 anos, recorda que não era feliz tal como 48% dos estudantes que somente experienciaram esse estado de espírito «às vezes» durante o primeiro confinamento.
Apercebendo-se de que o primeiro ciclo de estudos que havia escolhido lhe «sugava a vida, a saúde mental e física», decidiu agir. «Se eu estava com um burnout, não tinha motivação para nada, sentia-me constantemente sufocada, em ansiedade e deprimida, mudei porque não vi utilidade profissional naquilo que estava a estudar», declara, acrescentando que, ao entender que demoraria vários anos a ter o canudo, agiu «numa perspetiva pessoal e nunca por causa da covid-19».
«Sou seguida por um psiquiatra que é muito bom e sinto que me ajuda», inserindo-se no grupo de 18% estudantes que procuraram ajuda especializada e afastando-se dos 21% que não o fizeram por vergonha e falta de coragem.
Tomando um antidepressivo e um calmante, viu a dosagem dos fármacos ser mudada porque a qualidade do seu sono «foi-se perdendo em grande escala», exemplificando os 79% que tiveram distúrbios na qualidade do sono com maior frequência.
«Pergunto-me se o próximo infetado será algum amigo ou familiar. Tenho a tendência de me isolar e o facto de não estar com pessoas presencialmente é muito nefasto», esclarece com algum desânimo.
«Noto que os próprios professores estão exaustos, não dispõem da informação que deviam e é complicado organizar as unidades curriculares quando vão havendo muitas reviravoltas», reconhece, entendendo que nem toda a comunidade docente está habituada a trabalhar num formato integralmente virtual.
«Acho que todos, em determinado momento, já nos sentimos marionetas de quem está no poder e pensámos em colocar termo à vida ou percebemos que a mesma não tinha sentido por isso mesmo», expressa com lucidez.
«Todos sentimos que temos um peso muito grande a pairar sobre as nossas cabeças e não sabemos como será o futuro», remata.