O robô Perseverance cruzou a atmosfera marciana durante «sete minutos de terror», enfrentando temperaturas infernais, a mais de 19,3 mil km/h, com todas as comunicações desligadas. Após sete meses de viagem, aterrou com sucesso na cratera Jazero, uma região com uns 45 km, que se pensa ter sido o delta de um rio, que corria para um lago. Talvez nesses tempos Marte tivesse as condições ideais para desenvolver vida, cujos vestígios a missão da NASA vai procurar, enviando amostras para a Terra, onde deverão chegar por volta de 2031 – se tudo correr bem, será a primeira vez que terráqueos põem as mãos num pedaço do planeta vermelho.
Na vastidão desértica, gelada e geologicamente morta em que o planeta vermelho se tornou, ao longo dos últimos milhares de milhões de anos, procura-se resposta para questões essenciais. Será a vida um traço recorrente num vasto universo, ou uma particularidade do planeta que habitamos? Como surgiu a Terra, como é possível este equilíbrio tão delicado? E que futuro aguarda a humanidade no espaço? É possível transformar o dióxido de carbono de Marte em oxigénio, para respirarmos ou usá-lo como combustível para explorar o espaço? Conseguiremos atravessar a vastidão do cosmos para obter novos recursos, viver fora da Terra ou fazer do espaço o próximo destino turístico?
Se alguém – ou algo – pode responder a essas questões é a Perseverance. Com um custo de 1,82 mil milhões de euros, tem capacidade para transmitir vídeo a mais de 470 milhões de km, é alimentada por uma bateria de plutónio e está apoiada por um helicóptero, cujo sucesso, ou não, definirá o futuro dos veículos aéreos em Marte. «É o maior e mais sofisticado robô enviado para Marte até agora, com uma enorme variedade de instrumentos científicos, e um enorme potencial de produzir ganhos para a ciência», nota Manuel Wilhelm, responsável pelas relações industriais e projetos nas áreas de Transporte Espacial e Exploração na Agência Espacial Portuguesa, ao Nascer do Sol.
«Sim, há esperança de encontrar vida em Marte – ou traços de vida antiga. Mas, além disso, a missão pode ajudar a compreender melhor a origem do nosso sistema solar, de onde vimos», afirma o cientista. «Para a ciência como um todo, se a missão de retorno de amostras de Marte tiver sucesso, ter acesso às amostras seria um enorme impulso – como aconteceu com as amostras que as missões Apollo trouxeram da lua, que provocaram atividade científica durante décadas».
Para já, a Perseverance permite testar tecnologia que parece saída de um filme de ficção científica, indispensável à futura exploração de Marte por humanos. Entre os melhores exemplos está o MOXIE, ou Mars Oxygen In-Situ Resource Utilization Experiment, um aparelho que funciona como uma espécie de árvore artificial – uma tarefa essencial, dado a atmosfera marciana ter uns 96% de dióxido de carbona e só 0,13% de oxigénio, comparados com os 22% da Terra.
«Para uma presença humana sustentável no espaço profundo ou em Marte se tornar possível, isso só pode acontecer usando os recursos que já estão lá», resume Wilhelm.
Contudo, até na Terra se fazem avanços rumo a maior autonomia de futuros astronautas. Um estudo publicado recentemente na Frontiers in Microbiology mostrou que é possível cultivar Anabaena cyanobacteria, uma espécie comum de plâncton, usando só água – que existe no planeta vermelho – gases e poeira marciana, mesmo sob a baixa pressão do planeta, que chega a ser menos de 1% da Terra.
Caso se consiga tornar esse plancton em alguma tipo de alimento produzido em Marte, a poupança na exploração seria tremenda, tendo em conta que cada quilo de comida transportado para o planeta custaria o equivalente a quase 250 mil euros, apontou a CGTN.
Corrida a Marte
Não são só os EUA que têm os olhos postos em Marte, ou a China, cuja sonda Tianwen 1 entrou na órbita do planeta há umas semanas. Ao contrário do que vimos na corrida à Lua, durante a Guerra Fria, não são só superpotências a liderar o pelotão – a missão conjunta da União Europeia e da Rússia foi adiada pelo menos até 2022, países como a Índia ou Emirados Árabes Unidos estão à espreita, e até gigantes tecnológicos, como a Space X, de Elon Musk, estão interessados.
«No que toca à competição, é claro que entrámos na próxima corrida ao espaço», salienta Manuel Wilhelm. «O que está a contribuir imensamente para o progresso das missões de exploração. Isso cria um ambiente muito positivo e excitante em todas as áreas que estão relacionadas com o espaço», considera o cientista. «A ciência conduzida em diferentes missões de exploração complementa-se, dado que a Tianwen e a Perseverance terão diferentes localizações em Marte para pesquisar, diferentes especializações e meios de fazer experiências», acrescenta. «Há tópicos mais que suficientes para explorar, e mais missões a caminho».
A verdade é que, além da procura por conhecimento científico, há muito a ganhar em explorar o espaço. Em primeiro lugar, há todo o prestígio nacional que vem com essa conquista – ou marketing, no caso de empresas privadas. Depois, há o facto da corrida ao espaço ser o catalisador de tantas descobertas que ainda hoje moldam o nosso quotidiano – tanto o GPS, o velcro, ou até à tecnologia wireless, surgiram face ao desafios do espaço. E depois há o aspeto da exploração comercial do espaço em si, que arrisca tornar-se uma ‘corrida ao ouro’ – bem como a outros minerais raros.
«Olhando para o futuro a longo prazo, a extração de metais de corpos celestes será um grande impulso para a comercialização do espaço, e até de uma economia espacial completa», prevê Wilhelm. «Por exemplo, a Lua tem uma concentração significativa de trítio, que é um elemento fundamental à fusão nuclear, e que é muito escasso na Terra».
Contudo, num futuro próximo, «provavelmente a maioria da investigação será no sentido de extrair elementos fundamentais, como oxigénio ou hidrogénio, para produzir água ou combustível», antevê o cientista. Algo essencial se queremos manter uma presença mais constante no espaço, ou mesmo sonhar em colonizar os planetas nossos vizinhos.