Vi, sábado passado, publicado o Plano RR. Sem grande estrondo, diga-se em abono da verdade.
O maximalismo fica reservado para a nota introdutória ao repetir a imensidão das medidas financeiras tornadas disponíveis.
Parafraseando Hemingway, quando se referia a Paris, quase apeteceria dizer que Bruxelas é uma festa.
Aí estará esse dinheiro vivinho, da costa, nas duas vertentes em que se apresenta: como subsídios e como empréstimos.
E aí pousarão, gulosos, os nossos olhos.
Algum tempo atrás, disse-se que os empréstimos ficariam de fora. Ouvi-o do primeiro-ministro quando estava acompanhado pela chanceler. Foi uma surpresa.
Depois, no primeiro documento, estavam considerados.
Prevê-se, agora, que nem todos.
Contam para o défice, diz a Comissão, mas pode haver flexibilidade no ajustamento.
E, portanto, pé ante pé, lá iremos.
Talvez que a resoluta e louçã proposta de perdão da dívida nos traga a sorte grande e permita poupar. Ou não e vamos a eles.
O PCP já disse o que convinha. A Comissão estraga a festa, anuncia a austeridade, impõe baias. Convém, diz, recolocar o problema das obrigações em troca do perdão.
Seguir-se-á a discussão do costume.
Seja como for, o nosso problema não é apenas (como se não fosse pouco) de resiliência, é de recuperação.
Isto é, apanhados pela crise e por ela vergastados, lembramo-nos agora de como, mesmo antes dela, estávamos mal, como ficaríamos sempre decididamente para trás, como presos pelos sucessivos acordos orçamentais nos inibimos.
É certo que as cativações foram o ómega do alfa, um modo de gastar, cortando no silêncio da noite.
Mas tudo o que representava investimento público reprodutivo ou apoio ao investimento privado ficou diminuído até ao inexistente.
Correram os orçamentos, parou o país.
Portanto, a crise apanhou-nos a patinar sem grande confiança no futuro.
A mera garantia de permanecer no governo era suficiente para passar os anos inebriados pelo perfume da esquerda porque a direita cheirava a bafio.
Mas, neste momento, estamos verdadeiramente preocupados com a nossa sobrevivência: à trágica pandemia, à destruição económica, à calamidade social.
É por essas e por outras que o plano é obrigatoriamente um script imaginoso que nos leve a um final feliz.
Lá está quase tudo o que desde sempre nos fez falta, mais porque gastámos mal e menos porque seria impossível.
É essencial que seja mobilizador.
Não surpreende, pois, que o primeiro dos ministros fale em desejar e promover o consenso.
Aliás, como na vacinação e no desconfinamento.
Claro que poderá dizer que sempre o tentou mas em grau menor. Sempre virado para o mesmo lado e ignorando o outro. Não é suficiente.
Desta vez o verão não se limita às férias.
Tem o significado profundo de saber se, nessa altura, estamos aptos a começar a trabalhar com todas as condições essenciais verificadas.
Se conseguirmos imunizar o número de pessoas necessário, se parar a mortandade, se a vida puder ser retomada.
Se os programas e projetos forem aprovados.
Se o dinheiro começar a jorrar das fontes.
Se… No embalo exigente de Kipling, poderemos ser um país.