A inconfundível arte de Los Pepes

Meggie Prata e Francisco Leal formam a dupla de artistas urbanos conhecida por Los Pepes. As formas gráficas e os padrões são o ADN dos murais assinados pelo casal: Do Amoreiras 360º Panoramic View a Montargis, nos arredores de Paris, o trabalho único e inovador de Los Pepes está à vista de todos.

Francisco Leal, de 28 anos, e Meggie Prata, de 27, são um casal e os rostos por detrás da dupla de artistas urbanos conhecida por Los Pepes. «Os Pepes são uma equipa. Um casal que começou a pintar nos tempos livres, por diversão, sem grande preocupação. Com o tempo, demos o salto. O que tinha começado por ser uma brincadeira passou a ser uma coisa mais séria, mais profissional. E concentrámo-nos na pintura de murais. Começámos a trabalhar dentro de um ateliê, a pintar em suportes de papel, de tela… E com o tempo passámos a dedicar-nos aos desenhos em grande escala. Os Los Pepes são um casal que pinta, é isso», explica Meggie à Luz.

Conheceram-se no Porto, durante o mestrado em Arte e Design para o Espaço Público, mas só «um ou dois anos» depois de terem começado a partilhar ateliê surgiu finalmente a equipa Los Pepes, corria o ano de 2017. «Eu tinha um ateliê e começámos a desenvolver trabalho para nós, além daquele que fazíamos para a faculdade. Foi aí, durante esses trabalhos, que apareceram os Pepes», conta Francisco.

Meggie também recorda o início desta aventura de forma descontraída: «Eu queria copos e o Chico queria mais trabalhar e ia-me puxando, a verdade é essa. O Chico desenha melhor do que eu – ele consegue olhar para uma cara e desenhá-la, eu não tenho essa capacidade, sou mais abstrata. Comecei a perceber que havia certas coisas que eu não conseguia fazer nos meus trabalhos e pedia ao Chico para complementá-los, sempre dentro daquilo que eu idealizava. O Chico enervava-se com as minhas tentativas de não conseguir fazer o que eu queria e começava a mexer-me nos trabalhos e eu, enervada, pintava por cima das cenas dele. Os Pepes foram-se criando precisamente nestas tentativas», acrescenta.

O primeiro trabalho da dupla foi na Hungria, desafiados por uma amiga para pintar um carro. Foi, aliás, nesse momento que o nome com que ainda hoje assinam surgiu. «O nome surgiu por causa da série Narcos. Surgiu por acaso. Uma amiga nossa convidou-nos para ir pintar à Hungria, foi o nosso primeiro trabalho a sério. E, no final, surgiu a situação de ter que assinar o trabalho. E pensámos: ‘Com o quê?!’. Víamos muito o Narcos e ficou então o Los Pepes. A partir daí não mudámos mais, nunca mais pensámos nisso», constata o casal.

As formas gráficas e os padrões são a imagem de marca que torna o trabalho da jovem dupla inconfundível. «O nosso estilo prende-se muito com as formas gráficas. Uma vez disseram-me que as nossas linhas eram todas muito concretas, tudo o que era desenhado tinha um significado, que não havia desleixo no nosso desenho. E eu expliquei que nós temos que comunicar sem deixar ao acaso ou à interpretação de quem observa. Se eu vou desenhar uma cabeça de cavalo, eu imagino na minha cabeça e quero que se perceba o que cada linha significa – seja um olho ou outra coisa qualquer», diz Francisco, adiantando que «às vezes há um choque de interpretações e é aí que pode ser encontrada a junção das duas pessoas».

 

De Lisboa a Paris

O estilo de Los Pepes é de tal forma singular que é impossível não decifrar quando estamos perante um trabalho finalizado por Meggie Prata e Francisco Leal. Os originais dos dois jovens artistas já vão, de resto, além-fronteiras. Em Portugal, um dos últimos trabalhos desenvolvidos pode ser encontrado no Amoreiras 360º Panoramic View, no topo do centro comercial lisboeta. Na ‘Lisboa imaginada por Los Pepes’, Meggie e Francisco pintaram algumas das características, lendas, património e personalidades da cidade. O Cristo Rei, a ponte 25 de Abril, o Aqueduto das Águas Livres, Fernando Pessoa ou Amália são alguns dos temas e protagonistas retratados nos corredores de acesso ao miradouro.

Também durante o ano de 2020, a dupla voou para um dos maiores desafios da carreira: pintar um prédio de 13 andares em Montargis, nos arredores de Paris. Uma viagem para a qual conquistaram o check-in depois de terem sido eleitos por um júri num concurso internacional.

«Esse trabalho em Paris tem uma história engraçada. Foi lançado um concurso e o júri decidia quem ia ganhar – havia um prédio de cinco andares e outro de 13 andares para pintar. Eu disse ao Chico que nunca tinha pintado nada tão grande, o máximo que tinha pintado era um andar, vá um e meio, e que, por isso, era melhor concorremos ao de cinco andares. Mas ele disse-me logo que isso era o que toda a gente ia pensar, para tentarmos o de 13 andares. Fizemos isso e entrámos!», recorda Meggie.

O desafio ficou concluído com sucesso em cerca de 10 dias e, apesar da novidade de ter que pintar numa grua, o casal recorda episódios caricatos, como as pessoas aparecerem nas janelas das suas casas para lhes oferecerem cafés ou tarte.

Com a covid, o ritmo de trabalho diminuiu forçosamente, embora os Los Pepes se encontrem neste momento a pintar uma moradia no Guincho.

«Nós agora estamos completamente parados em termos de exposições por causa da covid-19. O que gostamos mesmo é de expor no nosso ateliê, mas agora não faz sentido – tem que haver convívio, discussão, uns copos… É mais do que ir ver as peças. É um ambiente que se cria. E com o coronavírus não dá para fazer isso», lamenta Francisco.

As exposições estão, porém, longe de ser uma fonte de rendimento representativa, como explicam: «As exposições são feitas mais por gosto nosso do que propriamente como fonte de rendimento. A nossa fonte de rendimento está mesmo no muralismo, na arte urbana».

E é este movimento que vem crescendo cada vez mais, um pouco por toda a parte, e Portugal não é exceção. A conquistar o estatudo de valor cultural, a street art distingue-se sobretudo pelo facto de não precisar de espaço, tempo ou reconhecimento. Só precisa de rua – e é nela que é capaz de motrar que as paredes também podem contar histórias.

 

Valorização da arte urbana

Numa altura em que se multiplicam os artistas urbanos – nacionais e internacionais –, que dão que falar, Francisco usa o exemplo do desporto para fazer a comparação a este movimento. «A arte urbana está muito valorizada hoje em dia, porque é um movimento que começou a aparecer há muito pouco tempo, mas que veio para ficar. Comparo-o com o do surf, por exemplo – é uma modalidade que veio para ficar e que está em crescimento. A arte urbana atrai cada vez mais pessoas e é isso que a faz continuar a crescer», afirma.

Meggie concorda e diz que a prova disso está à vista de todos, com nomes já bem conhecidos na área no panorama nacional, caso de Vhils, Bordalo II ou Corleone. «Em Portugal há muito bons artistas. Temos um movimento de artistas de street art muito bom. A partir do momento em que as entidades, as câmaras e as marcas começam a investir nestes artistas – e investem porque são bons –, claro que, depois, surge uma corrente de miúdos que vêm atrás deles», refere.

E este movimento vai-se enraizando, com os artistas a conquistarem cada vez mais reconhecimento e mais seguidores.

«Há uma cena que é: as pessoas gostam e há núcleos que vão propositadamente aos sítios ver as peças de determinados artistas. Por exemplo, quando estávamos em Paris, a pintar aquele prédio, apanhámos um comboio de uma hora e tal para ir ver o artista preferido do Chico a pintar. Cria-se esta dinâmica. Eu não gosto muito de usar esta expressão, mas a arte urbana é, como se costuma dizer, ‘um museu a céu aberto’», assegura a jovem, que destaca ainda como ponto positivo o facto de ser uma arte acessível a todos. «É uma arte que não pagas e visualmente é muito mais acessível do que ir a um museu. Podes nem sequer te interessar, mas olhas e gostas ou não, sentes alguma coisa ou não, mas não é nada intelectual…».

Francisco, que desde sempre mostrou interesse pela vertente urbana – tendo sido, aliás, o responsável pela introdução de Meggie no muralismo –, confirma e remata: «É uma arte que está na rua e o que acontece é que toda a gente vê e acaba por ter uma opinião».

E a melhor prova disso é também a aposta crescente dos poderes locais nesta arte urbana como forma de recuperação e dinamização dos espaços.