Rio Frio, Ota, Alcochete ou Montijo. A ‘novela’ da construção do novo aeroporto está em cartaz há mais de 50 anos, e todas as localidades referidas acima já foram identificadas, cada uma na sua temporada, como cenário ‘ideal’ para receber a infraestrutura aeroportuária que vai servir Lisboa e o país. O projeto permanece, porém, no mesmo ponto de partida. E, desta vez, a ‘culpa’ é de um ‘braço-de-ferro’ entre as câmaras lideradas por CDU e PS daquela região.
O projeto do novo aeroporto civil do Montijo – opção defendida, desde 2012, pelo Governo e pela ANA – Aeroportos de Portugal (empresa do Grupo Vinci Airports) – voltou esta semana a recuar, depois de a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) ter anunciado que não vai fazer a apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do infraestrutura, uma vez que não existe parecer favorável de todos os concelhos «potencialmente afetados quer por superfícies de desobstrução, quer por razões ambientais».
O projeto (a sua necessidade e urgência) é unânime naqueles municípios – considerado essencial para o desenvolvimento da península de Setúbal. Mas a sua localização não merece consenso e, de acordo com a lei, sem unanimidade em relação a esse ponto a construção não pode avançar. As câmaras da Moita e do Seixal, comunistas, disseram ‘não’ ao Montijo, e preferem Alcochete. Os municípios do Barreiro e do Montijo, socialistas, disseram ‘sim’. E Alcochete (também PS) optou por não apresentar qualquer parecer.
Na sequência desta decisão, o Governo anunciou que vai avançar com a realização de um processo de avaliação ambiental estratégica a três soluções, comprometendo-se a respeitar a solução que vier a ser identificada: Montijo como aeroporto complementar (ficando a Portela como principal); Montijo como aeroporto principal (ficando a Portela como complementar); ou a construção do novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.
Autarcas não se entendem. A falta de consenso entre câmaras PS e CDU voltou a empurrar o processo para a ‘estaca zero’. Alcochete e Montijo dividem opiniões há mais de uma década, e ambas as opções até já tiveram declarações de impacte ambiental favoráveis, mas nenhuma é agora levada a sério pela parte ‘adversária’. O estudo para a construção do novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, realizado em 2008, viu o seu prazo legal expirar; o estudo para o aeroporto no Montijo, concluído em 2019, é desvalorizado por quem defende Alcochete, uma vez que consideram que o mesmo foi encomendado pela ANA – Aeroportos de Portugal, parte interessada, e não compara esse local com outras alternativas – como acontece com Alcochete, que comparou essa localização com a Ota, mas não como Montijo (como vai acontecer agora).
A opinião é partilhada pelos autarcas da CDU. «Nós sabemos que em relação ao Montijo não houve nenhum estudo, mas apenas uma decisão política, em 2012, que escolheu aquele lugar. Depois houve, de facto, uma avaliação de impacte ambiental, mas trata-se de um estudo encomendado pela própria Vinci Airports, que escolheu o Montijo. Ora bem, se sou eu a pagar, a empresa vai concluir aquilo que eu quero, não é? Foi precisamente isso que aconteceu neste caso. Não existe nenhuma base técnica que sustente esta opção», afirma Joaquim Santos, presidente da Câmara do Seixal.
Ao Nascer do SOL, o autarca diz que a decisão da ANAC «não foi surpresa», e adianta que, agora, espera que a nova avaliação do Governo permita concluir que o Campo de Tiro de Alcochete é, de facto, a melhor solução. «Se for feito um trabalho sério e imparcial – e para isso proponho o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) ou o Instituto Superior Técnico –, julgo que qualquer entidade independente com capacidade técnica vai concluir que Alcochete é a melhor solução (…) Aliás, acho que nem é preciso ser nenhum especialista para perceber isso. Basta olhar: o Campo de Tiro de Alcochete está localizado numa área mais interior, com grande dimensão e com uma pista de aviação mais extensa. E, sobretudo, fica mais afastado dos perímetros urbanos, com menos impacto de ruído, poluição e insegurança para as populações», garante Joaquim Santos.
Nuno Canta, presidente da Câmara do Montijo, tem opinião oposta. E considera que, tendo as circunstâncias do passado identificado o Montijo como solução, não faz agora sentido voltar a recuar. «O mais importante é o novo aeroporto ficar na Península de Setúbal, para permitir reduzir, de forma significativa, as assimetrias económicas na região. No Montijo, em Alcochete, no Seixal ou em Setúbal… agora, o problema é que a questão já deixou de ser técnica para passar a ser essencialmente política», acusa.
O autarca socialista recorda que, neste momento, «apenas o Montijo tem as licenças válidas para a construção de um aeroporto». E embora reconheça «que possa haver desconforto por o estudo ter sido encomendado pela Vinci Airports», sublinha que «é tudo regulado pelas autoridades nacionais, e se assim não fosse a ANAC não teria tomado agora esta decisão». «Acho que esse argumento é o discurso político fácil, porque nem tudo o que é privado é mau, e nem tudo o que é público é bom», diz.
Nuno Canta lamenta «que os concelhos nossos vizinhos não tivessem dado um parecer positivo» e deixa um aviso: «Esta geração de políticos não pode colocar o país num beco sem saída – e é este o problema, não para o Montijo, mas para o país. Os políticos estão a colocar, não um município A ou B, mas todo o país num beco sem saída».
Na sequência deste caso, o Governo anunciou que pretende avançar para uma alteração legislativa, com vista a eliminar o que considera ser um poder de veto das autarquias no desenvolvimento de infraestruturas de interesse nacional e estratégico, como é o caso do novo aeroporto. O objetivo é eliminar «aquilo que configura, na prática, um poder de veto das autarquias», anunciou o gabinete do ministro Pedro Nuno Santos. Entretanto, Rui Rio anunciou que o PSD vai apoiar o Governo neste dossiê.