Como o Nascer do SOL e o i noticiaram no domingo, existem 130 brasileiros que ainda não conseguiram regressar ao país de origem. Há uma semana, o presidente da Associação Brasileira em Portugal e do Conselho de Cidadãos Brasileiros em Lisboa alertou que havia uma lista com cerca de 300 brasileiros retidos em Portugal, com passagens compradas, que poderiam não conseguir viajar no voo de cariz humanitário do passado dia 26 de fevereiro.
Uma destas pessoas é Ana (nome fictício), na casa dos 20 anos, que está a chegar ao limite. "Essa situação de ficar na casa dos outros por favor sabendo que tenho família, casa e emprego no Brasil. E sabendo que tenho passagem comprada e que trabalhei tanto para comprá-la… Eu não consigo mais ficar aqui", começou por confessar a jovem que considera a situação que vive "humilhante". Em conversa com o i e com a jornalista brasileira Roberta A., associada da ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação – e da IFJ – International Federation of Journalists -, a imigrante, residente na área da Grande Lisboa, narrou as agruras pelas quais tem passado.
"Minha passagem está paga, eu estou presa aqui. Eu dei um dinheirinho para o pessoal com que estou a viver, mas eles vão alugar o quarto. E eu não quero ter de pular de casa em casa, é desesperador. Estou pensado tirar a minha vida porque não aguento mais. Tem um ano que estou em Portugal", avançou, adiantando que trabalhou com pessoas que não a trataram como esperava. "Trabalhei num sítio que me desgostou porque a pessoa não me pagava os direitos, eu não tinha folgas. Lutei tanto para ter o número da Segurança Social, para conseguir ter documento aqui, para me regularizar, que eu não quero que aquela mulher mate os sonhos das outras pessoas que vêm para aqui", declarou, entre lágrimas.
No site oficial do SNS24, é possível ler que "é essencial permanecer em casa durante o período total de quarentena ou isolamento, devendo ter em conta os seguintes cuidados: permanência em casa: não deve haver deslocações para o trabalho, escola, espaços públicos ou outros locais sem que haja necessidade absoluta", no entanto, a entidade empregadora de Ana tentou violar as normas de segurança em vigor. "Quando peguei covid-19, ela exigiu que eu fosse trabalhar doente. Por fim, eu desisti. Comprei passagem para voltar, pela Azul, e não posso", expressou, revelando os contornos do golpe laboral do qual foi vítima.
"Antes da pandemia, você pegava o seu contrato de trabalho, você mesmo ia à Segurança Social e era mais fácil pegar o documento. Com a pandemia, pararam de fazer isso, para não terem pessoas lá à frente, e começou a ser feito pela entidade empregadora. Toda a vez que eu dizia algo sobre isso, não tinha resposta. Ficou me enrolando. Aí todos pegaram covid e ela me perguntou se podia contar comigo para trabalhar", recordou a rapariga que, durante a chamada telefónica, soluçou e implorou ajuda.
"Eu liguei no Ministério do Trabalho, me informei, e que poderia entrar com um processo. E em relação a ir trabalhar infetada, explicaram que estaria a cometer um crime. Com medo de não receber dinheiro, liguei a ela e pediu para voltar a trabalhar. Cumpri apenas oito dos catorze dias de quarentena", divulgou, estando ciente de que não teve os devidos cuidados. "Liguei no Serviço Nacional de Saúde e me disseram que, como não tenho número de utente, não conseguiam dar andamento no processo. Fiquei desesperada porque imaginei o que aconteceria comigo, se piorasse", constatou a imigrante que passou quatro dias, sentada no quarto, "com uma sacola de pão e uma garrafa de água".
"Mas fiz um novo teste. Antes do dia 26 de fevereiro, falei com a minha patroa, disse que talvez conseguisse voltar ao Brasil, e esse voo acabou me atrapalhando mais ainda. Só quero ir embora", manifestou a trabalhadora que, por medo de represálias por parte da entidade laboral, prefere não indicar o local onde esteve e, acima de tudo, a sua identidade e aquela de quem a burlou. "Tenho 239 euros, o valor de uma das passagens que vi da LATAM, e, se conseguisse comprá-la, preferia fazer isso, o meu psicológico não aguenta mais", asseverou a brasileira que já esteve dependente de medicação, como Diazepam, tendo sido diagnosticada com transtorno de personalidade Borderline e, agora, não quer recorrer a quaisquer medicamentos por estar "limpa".
"É impressionante é o que o meu país está fazendo com as pessoas. É vergonhoso. É terrorismo. Um descaso total e absoluto por parte do Governo Brasileiro", clarificou Roberta A., que tem acompanhado o desenvolvimento da situação diariamente, realçando que "existem esforços para tirar os brasileiros dessa situação, as vias aéreas como Azul e Latam já estão se movimentando e pressionando às autoridades de para que ambos países possam repatriar os seus", sendo que "isso deve ocorrer com o máximo de prioridade e urgência possível". Por outro lado, evidenciou que "o Ministério de Relações Exteriores, Itamaraty, Embaixada e Consulado Brasileiro são péssimos exemplos de gestão e atuação porque nenhum deles deu suporte algum aos brasileiros".
"Será que eles estão esperando alguém morrer para enviar um avião das Forças Armadas Brasileiras para fazer o repatriamento do corpo? Nada faz sentido. Todas as pessoas possuem passagem comprada e direito de embarque assim que for liberado. Basta que os 'homens' cheguem ao consenso de que vidas estão suspensas em ambos os lados do atlântico", frisou a jornalista, adicionando que se "em Portugal,o risco é de morrer de fome, frio, situações de abandono, suicídio, "no Brasil o risco é contrair covid e não resistir já que o sistema de saúde entrou em colapso". "Não precisa muito para entender o que precisa ser feito. Basta explicar a uma criança que ela lhe dará a resposta", salientou.
"A única coisa que me impede de fazer uma loucura é saber que minha mãe está me esperando", concluiu, espelhando a desorientação daqueles que querem regressar e não conseguem.