Partidas e chegadas

A opção definitiva pelo Montijo com a expectativa de tudo poder ser levado a efeito mais depressa e sem escolhos, ultrapassando as questões ambientais e colocando o ónus de não correr bem no domínio da responsabilidade dos outros, sempre me pareceu arriscada.

Para quem viaja de avião, a queixa mais frequente é a do tempo perdido nos aeroportos. No caso português, o problema continua a ser do tempo perdido mas, no caso particular de Lisboa, dos cinquenta anos que já leva a saga da definição do local da construção e do seu destino. Exageramos, portanto, com pormenores de requinte.

Porém, o Governo Costa anunciou aos quatro ventos uma solução decisiva. Era desta, dir-se-ia. Não é. E o modo como se abordou o assunto e como se tentou cavar uma saída dá a ideia de se haver tratado de outra precipitação.

A opção definitiva pelo Montijo com a expectativa de tudo poder ser levado a efeito mais depressa e sem escolhos, ultrapassando as questões ambientais e colocando o ónus de não correr bem no domínio da responsabilidade dos outros, sempre me pareceu arriscada.

Vê-se, agora, que um pedido em violação da lei é impossível. O que se pensa fazer em seguida? Em primeiro lugar, alterar a lei.

O Governo quer mas as autarquias discordam, então a solução é simples. No futuro não o poderão fazer. E, pasme-se, com o acordo do primeiro-ministro e do líder do maior partido da oposição, ambos curiosamente ex-autarcas. Mas este chumbo do pretendido tem uma consequência maior. Afinal, o problema volta à estaca inicial. Anuncia o Governo que propõe, agora, o que devia ter proposto antes. Isto é, um estudo de impacto ambiental que equaciona a hipótese do aeroporto principal ser Portela ou Montijo ou da localização de Alcochete ser preferível.

Teremos, portanto, no estilo Netflix, a continuação de uma série que inaugura uma nova temporada e promete escaldantes episódios. Exatamente como naqueles casos em que o clímax parece imediato e tudo regressa à confusão.
Às vezes somos levados a pensar que isto acontece de propósito.

O tempo que vivemos é um tempo de fuga às consequências dos traumáticos acontecimentos pandémicos.
É a altura de os ministros darem entrevistas, de jornais privilegiados tecerem artigos com confissões úteis e recados apropriados, de se produzir o esquecimento das responsabilidades, dos abaixo-assinados de protesto pelos exageros noticiosos das televisões. Convém encontrar outro motivo de controvérsia, outra lebre.

Que diabo, o primeiro-ministro não pode repetir todos os dias a impossibilidade de voltar a cometer erros e a ministra da Saúde está por tudo. Os outros temas que tentaram ocupar as atenções não se impuseram.

Nem o caso Mamadou, nem o caso Ascenso, nem o caso dos brasões, nem o caso Peralta, nem o esgotadíssimo caso Ventura. Destinado a altos voos, o ministro enfant-terrible não sabe onde aterrar nem o que fazer dos aviões.

É certo adivinhar-se uma janela de oportunidade com a aproximação das autárquicas. E talvez que as atenções se virem sobre o anunciado duelo entre um herdeiro presumido do poder socialista e outro do challenger social-democrata.
Este combate tem a atração dos novos tempos e pode repetir a história quando se recorda como interessavam menos Passos Coelho e Seguro e mais Costa e Rio. Hoje, poderá ser o tempo de anunciar outra dupla que se segue: Medina e Moedas. Se assim for, então o aeroporto é um ato falhado.
Não vale a pena.