Relendo Locke (inglês) e Rousseau (genebrino), poderemos apreciar a beleza a extraordinária Utopia Liberal que deu origem às profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que ocorreram entre meados do séc. XVIII e o séc. XIX em praticamente todos os países europeus. Foram, Revoluções muito radicais que não só retiraram Deus do papel de principal engenheiro da Ordem Social (que se designava como Ordem Divina), colocando em seu lugar uma Ordem Humana (o Humanismo, baseado no uso da Razão), como também expropriou quase completamente o grupo económico dominante (a Igreja) que dividia o domínio sobre os territórios (e pessoas) com mais alguns cúmplices/apropriadores, as velhas aristocracias medievais.
Os povos sufocavam na servidão, sob o peso dos Tributos e da Tirania. Tendo como principais instrumentos de ação a arte das suas mãos (já que a terra lhes estava negada), os burgueses e seus acompanhantes ‘descamisados’ rebentaram as grilhetas das ‘bastilhas’ do mundo e decidiram ganhar a ‘liberdade de iniciativa’ de produzir, de comerciar e de pensar, em direção à realização da sua Utopia, na qual a Liberdade e a Solidariedade (reflexos dos Valores Éticos populares) e a Igualdade baseada na Partilha da Propriedade conduziriam, finalmente, a Sociedades Humanas Harmoniosas e à Felicidade Pessoal e Coletiva.
Na Inglaterra, os Levellers (niveladores) e os Diggers (cavadores) e, na França, os jacobinos e Babeuf procuraram levar esses princípios às suas consequências lógicas lutando para que Todos tivessem acesso à propriedade, base da sua autonomia e liberdade. Contudo, os setores burgueses precisavam de proletários nas suas unidades económicas, de pessoas que, embora formalmente ‘livres’, só fossem ‘donos’ da sua própria força de trabalho, isto é, que se mantinham Dependentes da vontade contratual dos donos dos meios de produção.
Tocqueville, um aristocrata francês liberal, interrogou-se por que razão os ideais liberais não tinham execução na Europa e eram melhor alcançados nos EUA. Aqui não havia condes, duques ou baronetes e, além disso, o povo estava armado (’problema’ que ainda subsiste) …
Na sequência das revoluções que correram toda a Europa entre 1848-1852 e da Comuna de Paris de 1871, em busca da realização da Utopia Liberal, Marx veio a decifrar os porquês de tal frustração (designadamente a necessidade da fase capitalista de desenvolvimento das sociedades) e a indicar o que, de acordo com os seus estudos, poderiam vir a ser os desenvolvimentos futuros das sociedades humanas. O comunismo marxista não é mais do que o tempo e o modo da realização da Utopia Liberal. O Comunismo será, nesta perspetiva, a continuação, o aprofundamento do Liberalismo, isto é, este continua-se naquele. Por isso, chamar neoliberalismo à fase atual de dominação do capital financeiro que vive parasitariamente de Tributos (juros, dividendos e rendas) e se suporta por um sistema de dependências/dominações em cascata tal como o Feudalismo, é uma simples aberração. Do mesmo modo, chamar de liberais os atuais defensores do “eu quero posso e mando” da ‘lei do mais forte’ é a continuação da mesma aberração.
Vive-se hoje, por quase todo o lado, a girondina ‘república dos proprietários’ moderada pela repetida luta dos povos pela concretização de uma verdadeira Liberdade, Fraternidade e Justiça Social. O 25 de Abril foi um destes momentos: ganhou-se algum espaço mas, ‘os do costume’, voltaram a recuperar, diminuindo permanentemente a substância da democracia. Hoje, ‘eles’ estão de volta; querem, de novo, ‘comer tudo’, como na canção Vampiros do Zeca Afonso.
Pode ser que, perante o adormecimento geral, através da ‘lebre’ Chega e das OPA’s a fazer ao PSD e ao CDS (com alguns ‘liberais’ do PS), possam vir a ‘ganhar’ e acabar com a República do 25 de Abril.
Mas depois, na seguinte viragem da História, daquela que, com avanços e recuos, se vai realizar, Não Se Queixem! Como dizia Rousseau, só se poderão queixar da sua própria imprudência.