A Agência Europeia do Medicamento (EMA na sigla inglesa) voltou ontem a afirmar em conferência de imprensa que não existem evidências de que a vacina da AstraZeneca cause coágulos sanguíneos e eventos tromboembólicos. Questionada várias vezes sobre a decisão de vários países europeus suspenderem a vacina sem que a EMA tenha alterado recomendações, a diretora da agência europeia do medicamento não fez nenhum juízo crítico, dando nota de que houve partilha de informação entre os países no que classificou com um processo “dinâmico” e salientou que o trabalho da agência é avaliar se os benefícios dos medicamentos superam os riscos, o que ontem reiterou que continua a ser a sua posição. A investigação para apurar se existe nexo de causalidade entre os casos de tromboembolismo notificados após a toma da vacina e o fármaco ainda não chegou no entanto ao fim e o parecer final do comité de segurança da agência do medicamento é esperado na quinta-feira à tarde, disse Emer Cooke. Segundo o i apurou, só na altura Portugal deverá rever a sua posição em função do que vier a ser a decisão. Na conferência de imprensa, Emer Cooke admitiu que possam a vir a ser acrescentadas indicações no resumo de característica de medicamentos. A EMA terá de concluir se os eventos tromboembólicos estão relacionados com a vacina e se existe algum perfil associado a maior risco ou se os casos que têm sido reportados são uma coincidência. Questionada sobre quantos casos ao todo foram reportados, a diretora da EMA não deu dados atualizados, dizendo que “aumentam à medida que falamos”. O que não considerou fora de comum, explicando que quando um tema é falado é normal que existam mais notificações.
652 mortes em 2018 A questão é perceber se a incidência de tromboembolismo está a ser maior entre os vacinados do que seria expectável na população geral neste período de tempo, em particular nos grupos etários que estão a ser vacinados. Em Portugal, a última informação da DGS e do Infarmed é de que foram reportados dois casos. Questionada pelo i, a DGS não esclareceu quantos eventos trombembólicos ocorrem por ano no país. Um estudo publicado na Acta Médica Portuguesa aponta para uma incidência de tromboembolismo venosos, incluindo tromboses de veias profundas e embolia pulmonar, de 56 a 160 casos por 100.000 pessoas/ano, o que em Portugal significaria pelo menos 5600 casos por ano, mais de cem casos por semana. Os dados sobre as causas de morte no país revelam que em 2018, o último ano com dados disponíveis na plataforma de análise de mortalidade da DGS, houve 652 mortes associados a embolias pulmonares, enfarte e eventos tromboembólicos de outra natureza. A maioria das vítimas mortais (479) tinha mais de 70 anos.
Ex-ministro da Saúde critica decisão Na União Europeia, apenas Bélgica, República Checa, Hungria não avançaram com a suspensão da vacina. O restantes países avançaram com a pausa invocando o princípio de precaução. Ideia ontem repetia pelo primeiro-ministro: “É preciso que as pessoas compreendam o que está a ocorrer: estas suspensões são meramente provisórias. A Organização Mundial de Saúde está a fazer uma reapreciação dos dados, a Agência Europeia do Medicamento vai pronunciar-se até ao final da semana e é por uma mera precaução que esta decisão foi tomada”, afirmou António Costa.
A decisão no entanto tem sido encarada no setor como mais política do que técnica, sobretudo depois de a agência europeia do medicamento reafirmar sucessivamente uma posição que não fundamenta a suspensão e da OMS também ter apelado aos países para que prosseguissem a vacinação. O ex-ministro da Saúde socialista Adalberto Campos Fernandes foi uma das vozes a criticar publicamente a decisão e a forma como o dossiê está a ser gerido na UE: “A forma como está a ser gerida a questão relativa à vacina da AstraZeneca ilustra o desnorte e a falta de ligação entre os Estados membros. Num tema tão sensível seria fundamental centrar o processo de decisão nas autoridades científicas e regulamentares evitando, a todo o custo, a pulverização das decisões e a tomada de decisão em cascata”, escreveu na segunda-feira à noite nas redes sociais. “O modo como este tema está a ser tratado causará um dano irreversível na credibilidade do processo comprometendo o indispensável clima de confiança”.