Políticos e especialistas reuniram-se esta terça-feira, no Infarmed, para discutir a evolução da pandemia de covid-19 em Portugal. Eis as principais conclusões:
Concelhos todos fora do vermelho – mas alguns já estão a registar aumento de casos
André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde (DGS), deu início à reunião. Comparativamente ao último encontro, manteve-se a tendência de diminuição da epidemia. Todos os concelhos estão com uma incidência de novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias abaixo do patamar de risco elevado, mas o responsável assinala que alguns registaram agora subidas. "Há que realçar uma mudança de padrão que se iniciou no início de março em que a população ativa voltou a ser a população com maior incidência e o grupo dos maiores de 80 que passou a ter uma incidência inferior à incidência nacional. A população dos 60, 70, 80 mantém-se bastante protegida e abaixo da média nacional", disse.
DGS defende que só vacinando população dos 40 aos 60 se evita rutura de cuidados intensivos
André Peralta Santos apresentou uma nova análise da DGS sobre as hospitalizações por faixa etária, concluindo que numa situação de elevada incidência de novos casos de covid-19, apesar de a maioria dos internamentos serem de doentes mais velhos, o número de hospitalizações entre os 40 e 60 anos representa uma pressão que ultrapassa a linha vermelha estabelecida para os cuidados intensivos, que foi fixada em 245 doentes com covid-19. "Para estarmos completamente seguros, a faixa etária a vacinar terá de ir até estas idades", afirmou.
Lisboa e Algarve com maior prevalência da variante inglesa, acima dos 70%
As estimativas nacionais apontam para uma prevalência da variante inglesa, mais transmissível, já superior a 70% dos casos de covid-19, tanto em Lisboa e Vale do Tejo como no Algarve. Os dados foram igualmente apresentados por André Peralta Santos.
Novos mapas mostram testagem e taxa de positividade por concelho
André Peralta Santos levou novos mapas para a reunião do Infarmed. Estes passam a mostrar o nível de testagem e taxa de positividade por concelho. Recorde-se que uma das linhas vermelhas adotadas em relação à testagem é que a taxa de positividade deverá ser inferior a 4%. Três concelhos estão acima deste patamar. Na análise por idade, o técnico indicou que a população mais nova regista taxas de positividade superiores.
“Em princípio não temos doença desconhecida na comunidade”
André Peralta Santos terminou a apresentação concluindo que apesar do aumento da testagem, não se registou aumento de incidência na última semana. "Em princípio não temos doença desconhecida na comunidade".
INSA calcula RT em 0,89 nos últimos cinco dias
Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), apresentou a evolução da curva epidémica. O RT continua a subir, sendo o último cálculo a nível nacional de 0,89 na média dos últimos cinco dias, com o valor do último dia analisado estimado em 0,92. O investigador salientou que ainda não é visível o impacto da abertura das escolas na transmissão.
Portugal na zona verde da matriz de risco
Baltazar Nunes apresentou a situação epidemiológica no país na nova matriz de risco adotada pelo Governo, o quadrado apresentado pelo primeiro-ministro no início do desconfinamento e que serve de baliza para continuar a aliviar ou apertar medidas. Todas as regiões estão na zona verde, com RT abaixo de 1 e incidência abaixo de 120 casos por 100 mil habitantes a 14 dias – com a ressalva de que Açores têm RT de 1 e os cálculos não estão a ser feitos na Madeira devido à notificação de casos de janeiro nos últimos dias que afetam o cálculo da incidência a 14 dias. "Gostaríamos de reforçar a necessidade de interpretar estes indicadores em conjunto. Apesar de o R estar-se a aproximar de 1, é muito importante e positivo que a incidência esteja em valores baixos e mesmo assim vamos continuar a decrescer até atingir um R igual a 1 e a partir daí poderemos avaliar os próximos passos", disse o investigador.
INSA reforça que está a haver uma redução "acentuada" da incidência de novos casos na população com mais de 80 anos
Também o INSA calcula que a incidência de novos casos está a verificar-se entre os 30 e 40 anos e que houve uma inversão da tendência dos últimos meses, em que o peso dos novos casos atingia igualmente valores elevados nos maiores de 80 anos. Baltazar Nunes fala de uma redução "acentuada" e que tem sido maior à medida que a idade aumenta, o que considerou positivo pelo peso que têm estas faixas etárias nos internamentos e mortalidade. Não foi feita ainda qualquer ligação entre esta tendência e a vacinação.
Situação epidemiológica na Europa pode ser um risco para Portugal
Baltazar Nunes considera que situação epidemiológica na Europa pode ser um risco para Portugal, claramente em contraciclo.
Ainda não há dados sobre aumento da mobilidade após abertura das escolas
Baltazar Nunes fez o ponto de situação sobre o aumento da mobilidade nas últimas semanas. A análise do INSA sugere que o índice de confinamento é 55% do que foi no máximo registado em abril do ano passado, mas não tem havido uma subida abrupta, considerou. Os dados não refletem ainda a última semana de abertura de escolas. Por outro lado, o investigador assinala que tem havido uma redução de contactos em todas as faixas etárias mas o último inquérito mostra que está a haver um aumento de contactos nas pessoas com mais de 70 anos.
"Já não prevemos que a incidência chegue aos 60 casos por 100 mil habitantes no final de março"
Num balanço do que eram as projeções do INSA e o que aconteceu, Baltazar Nunes salientou que a redução de internamentos em cuidados intensivos foi mais acentuada do que era projetado. Por outro lado, a redução de incidência foi menos intensa do que se esperava. "Já não prevemos que a incidência chegue aos 60 casos por 100 mil habitantes no final de março", disse. "Há uma estabilização da incidência, refletida pela convergência do R para 1". Segundo o investigador, "o controlo da epidemia passará por compensar o aumento de número de contactos com aumento da testagem, isolamento de casos e rastreio, manutenção de medidas preventivas nos locais de trabalho e escolas e aumento de cobertura de vacina, que pensamos que está no caminho certo".
Ricardo Mexia apresenta trabalhos para plano de operacionalização da estratégia de testagem em Portugal
Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, estreou-se nas reuniões do Infarmed. O técnico do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge integra o grupo de trabalho responsável pelo plano de operacionalização da estratégia nacional de testagem, criado por um despacho do Governo na semana passada. Ricardo Mexia apresentou as linhas estratégicas, considerando que envolver os parceiros e definir regras de periodicidade e modelo de testagem, mantendo a utilização de testes PCR, são algumas das linhas de trabalho. "Os critérios serão dinâmicos e a própria evolução epidemiológica poderá condicionar estas estratégias", afirmou. Ricardo Mexia apresentou a evolução do número de testes feitos no país, marcado pela subida de testes rápidos na última semana.
Quanto a testes feitos nos diferentes setores, no âmbito de estratégias de testagem regular que começaram nos lares ainda em outubro do ano passado e estão agora a iniciar-se nas escolas, estes são os dados:
Escolas: 82.425 testes, 81 positivos (taxa de positividade inferior a 0,1%)
Prisões: 14.702 testes, 1.019 positivos (taxa de positividade de 6,9%)
Rede Nacional de Cuidados Continuados: 58.609, 2.652 (taxa de positividade de 4,5%)
Presidência do Conselho de Ministros: 1.797 testes, 25 positivos (1,4%)
Lares: 150.163 testes, 2.627 positivos (2,5%)
Taxa de positividade em 1,3%
Este é o ponto de situação atual em termos de taxa de positividade. Ricardo Mexia adiantou que o grupo de trabalho vai agora debruçar-se sobre diferentes aspetos da testagem. A primeira reunião terá lugar esta quinta-feira.
Variante do Reino Unido vai representar 90 a 100% dos casos dentro de semanas
João Paulo Gomes, responsável pelo estudo da diversidade genética do SARS-COV-2 no Instituto Ricardo Jorge, apresentou a evolução da variante do Reino Unido, considerando que é expectável que dentro de semanas representa mais de 90% dos casos em todos os países. No Reino Unido representa já quase de 100% dos casos e o investigador salienta que isso irá acontecer em todos os países. Em Portugal as estimativas apontam para quase 70%, como já tinha apresentado André Peralta Santos, mas João Paulo Gomes adiantou que o INSA está a fazer uma análise de uma nova amostra de 1300 vírus e as primeiras estimativas apontam para que a prevalência da variante seja já superior a 80%.
24 casos da variante sul-africana em Portugal. Investigador alerta para importância de controlo das fronteiras
O investigador apresentou de seguida os dados sobre a presença da variante sul-africana no país. Portugal regista até agora 24 casos, menos que outros países, mas João Paulo Gomes considera que o número é modesto mas não se pode ficar descansado.
"Na última semana foram sete ou nove, são dados atuais, e continuamos a fazer a monitorização continua. Salientaria aqui a importância do controlo de fronteiras a partir desta altura. Estamos a desconfinar, os outros países também. Estamos a falar de África do Sul, mas a variante está disseminada por outros países africanos, nomeadamente Moçambique, e está presente e eventualmente espalhada com transmissão comunitária em países europeus com histórico de voo intenso com o nosso país. Como dizia o meu colega Baltazar Nunes, a situação epidemiológica em Portugal depende fortemente da situação epidemiológica nos outros países. Daí a importância de controlo de voos, percebendo historial de viagem. A última coisa que queremos é que se repita, e era quase inevitável, aquilo que se passou pela variante inglesa: entrou no nosso país, múltiplas introduções, espalhou-se e dentro de algumas semanas estará com certeza acima de 90%", disse. "Esta variante sul-africana tem ainda por cima uma condicionante extra, que é o facto de ter mutações associadas à falha de ligação a anticorpos. Os casos de falência vacinal estão ligadas a esta variante e por isso não queremos assistir a uma transmissão disseminada".
"Portugal está perfeitamente enquadrado nos países que melhor vigilância fazem"
João Paulo Gomes apresentou dados sobre a vigilância genómica por 100 mil casos, defendendo que não deve ficar a ideia de que o país está na cauda da Europa. O início foi "modesto", admitiu, explicando que agora o país está a seguir o modelo francês, que assenta na análise de amostras obtidas em semanas do mês. Em fevereiro começou-se a analisar todos os casos numa semana e agora em março foram analisadas duas semanas e sequenciados 17% dos casos da última quinzena, números apenas superados por Inglaterra e Dinamarca, indicou.
Testes PCR são necessários para manter vigilância, voltou a alertar João Paulo Gomes
Tal como na última reunião, João Paulo Gomes voltou a alertar que a testagem massiva com testes rápidos, que agora está a iniciar-se no país, tem um inconveniente do ponto de vista da vigilância genómica: as amostras não permitem sinalizar as diferentes variantes. Nesse sentido, o INSA defende o alargamento de laboratórios que enviam amostras para análise genómica e a retestagem por PCR de pessoas que dão positivo em testes rápidos, para manter uma amostra de casos suficiente para monitorizar as variantes que circulam no país. Outra proposta do INSA é implementar em toda a rede laboratorial sondas que permitam rastrear as variantes de interesse, que atualmente são três: Reino Unido, África do Sul e Manaus (Brasil). A metodologia está a ser desenvolvida pelo instituto, que diz que estará disponível para apoiar os laboratórios. A partir desse pré-rastreio, o objetivo é os casos suspeitos serem rapidamente enviados para o INSA, que faz a confirmação genómica das variantes.
"Será nas idades escolares, mais jovens, que vamos agora passar a encontrar as infeções pela escolha que fizemos de vacinar as idades mais avançadas"
Henrique Barros, epidemiologista e presidente do Instituto Superior de Saúde Pública da Universidade do Porto, fez um balanço do primeiro ano da pandemia, começando com uma nota sobre o que esperar daqui para a frente. "Será nas idades escolares, mais jovens, que vamos agora passar a encontrar as infeções pela escolha que fizemos de vacinar as idades mais avançadas", sublinhou.
Risco de morrer de covid-19 é maior nos homens, aumenta com a idade e com as novas variantes
"Quando tomamos em conta o sexo dos doentes, a idade e naturalidade, vemos que há uma grande diferença entre as regiões", disse Henrique Barros, salientando que o risco é menor na Madeira e na região Norte e que foi também maior nos primeiros meses da epidemia e nos meses de dezembro e janeiro. "Embora os números não estejam fechados, porque há pessoas que poderão falecer, mostram-nos que o período de grande afluência e carga sobre o SNS podem ter tido um efeito na maior probabilidade de se morrer", sublinhou.
Numa análise sobre o impacto das variantes, com dados até pouco antes do final de fevereiro, Henrique Barros afirma que todas as novas variantes têm aparentemente um risco aumentado de mortalidade, sendo maior no caso da variante inglesa, onde é o dobro das variantes iniciais. "É necessário uma vigilância não só o risco de infeção mas também uma maior atenção aos doentes pelo risco de morrer", defendeu.
"Ter crianças no agregado familiar não aumentou o risco de infeção"
Numa parte da apresentação sobre risco de infeção e crianças, Henrique Barros defendeu que uma perceção de menor risco de infeção e transmissão por crianças pode ter levado a uma despreocupação com medidas de mitigação nas escolas, o que considera que não aconteceu em Portugal. Segundo dados apresentados pelo investigador de um estudo feito pelo ISPUP, ter crianças no agregado familiar não aumentou o risco de infeção em relação agregados sem crianças, pode inclusive ter tido um efeito protetor.
ISPUP calcula efetividade da vacina em 91%, idêntico aos ensaios
Henrique Barros apresentou resultados de análises da eficácia vacinal no Hospital de São João, com base em profissionais de saúde vacinados, que apontam para resultados sobreponíveis aos dos ensaios, com uma eficácia na casa dos 91% na prevenção de doença. O investigador adiantou que o instituto espera em breve fazer a análise nos lares.
Letalidade da covid-19 poderá ser de 0,7% quando se tem em conta assintomáticos
A estimativa foi apresentada por Henrique Barros no final da exposição. A letalidade por covid-19 tendo em conta os casos diagnosticados no país situa-se nos 2%. O investigador considera no entanto que deverá haver três vezes mais casos do que os que são diagnosticados, o que situaria a letalidade por covid-19 em Portugal em 0,7%, sendo superior nas faixas etárias mais avançadas.
ENSP defende estratégias de sensibilização direcionadas a perfis de maior risco para adotar medidas
Carla Nunes apresentou os resultados do último barómetro da Escola Nacional de Saúde Pública.
A saúde mental dos portugueses teve oscilações ao longo da pandemia. Os piores estados ao nível de saúde global verificam-se nos mais velhos e com menos escolaridade. Na saúde mental, piores indicadores nas mulheres e mais novos.
Verifica-se melhoria ao longo da pandemia na adoção de medidas preventivas, depois da inversão na época natalícia. Agora volta a haver uma inversão em comportamentos como uso de máscara e aumento de contactos, em particular nos mais jovens.
A ENSP defende estratégias de sensibilização direcionadas a perfis de maior risco por exemplo com maior dificuldade em evitar contactos, que num estudo recentemente feito aponta para dois grupos: mais velhos, reformados, e pessoas com menor perceção de risco individual. "Foi claramente identificado o perfil de que tem mais dificuldade em evitar visitar amigos e familiares, o que permite o desenho de campanhas de sensibilização dirigidas", disse Carla Nunes.
Neste último inquérito com resultados, a ENSP tinha deixado de questionar a amostra sobre a confiança nas vacinas por haver uma estabilização, justificou Carla Nunes. Acabou por não ser colhida informação na altura em que surgiram as dúvidas em torno da AstraZeneca, o que já voltou a ser feito este sábado. Os resultados serão apresentados na próxima reunião, disse a responsável.
Portugal mantém meta de vacinar 70% da população no fim do verão
O coordenador de task-force apresentou a última informação sobre vacinas, dizendo que Portugal mantém a previsão de garantir a primeira dose da vacina a 70% da população adulta "no fim do verão". Recorde-se que esta semana o comissário europeu Thierry Breton falou de 14 de julho. As autoridades nacionais não se tinham pronunciado ainda após as declarações do comissário europeu e agora Gouveia e Melo também não o referiu diretamente, mas voltou a apontar esta previsão, admitindo que pode acontecer ligeiramente mais cedo se Portugal vier a receber mesmo os 14,9 milhões de doses de vacinas previstas para o terceiro trimestre. Em abril o país deverá receber 1,4 milhões de doses da vacina, adiantou, mas as quantidades esperadas ao longo do ano continuam a ser inferiores ao que estava negociado a nível europeu com as farmacêuticas.
Task-force prevê administração de 95 mil vacinas por dia no segundo trimestre e 165 mil vacinas por dia no verão e um milhão de portugueses com a primeira dose da vacina até ao final da semana
Até à data chegaram a Portugal 1,8 milhões de vacinas. Até sábado foram administradas 1,3 milhões. Esta semana vão ser administradas 277 mil vacinas mais 63 mil AstraZeneca que ficaram em pausa na semana passada.
O coordenador da task-force de vacinação, que encerra a parte aberta da reunião do Infarmed, adianta que no fim desta semana a previsão é de que 83% dos idosos com mais de 80 anos já tenham a primeira dose da vacina, uma meta que estava definida para o fim de março.
No grupo com mais de 50 anos e doenças prioritárias, a fase 1, 67% ficarão vacinados.
Nos lares, a cobertura ronda os 90%. Falta vacinar lares com surtos.
No fim de semana serão dadas 88 mil vacinas a pessoal docente e não doente, no arranque da vacinação de professores, e 28% deste universo ficará vacinado.
No final da semana, disse ainda Gouveia e Melo, Portugal atingirá o milhão de portugueses vacinados com a primeira dose e 500 mil já com as duas doses. "Tirando uma pequena reserva de segundas doses, praticamente todas as doses que chegam a Portugal são administradas no prazo de uma semana", garantiu o responsável.