A cabeça de Peralta brilhava como tivesse sido acabada de engraxar. Não poupara no Brylcream e parecia mais um ator de Hollywood a tentar imitar Rudolfo Valentino do que um boxeur a caminho de se meter em sarilhos, entrando no combate mais excitante da sua carreira. Era o dia 16 de fevereiro e 1970 e Gregorio Manuel Peralta, mais conhecido por Goyo, ia defrontar o grande George Foreman no Madison Square Garden e à vista de toda a América já que haveria uma transmissão direta à dimensão nacional. Foreman fora campeão olímpico e percorria o caminho dos frente a frente cada vez mais complicados na sua subida até ao topo do boxe mundial. É preciso dar e apanhar muito para se ser um campeão e George estava disposto a tudo.
Goyo engordara significativamente nos últimos meses. Deixara de ser um peso médio para ser um peso pesado. Mas Foreman não lhe deu hipóteses. O júri foi unânime ao dar-lhe a vitória por pontos ao fim de dez rounds. Peralta aguentara como pudera os martelos que Foreman tinha nos punhos e conseguira não ir ao tapete uma única vez. Os seus olhos escuros, impenetráveis, fixavam a multidão que lhe dedicava tantos aplausos como ao vencedor. Era um bailarino e o povo gostava disso. Até nas derrotas exibia a suprema elegância de encolher os ombros a cada golpe sofrido e sacudir os braços e a cabeça como se se deixasse absorver pela potência do adversário.
Goyo ficou com a derrota frente a Foreman atravessada na garganta. Para ele e para quem o queria ouvir, vencer Foreman tornou-se uma obsessão e convenceu-se intimamente que esse triunfo estava escritos nas estrelas pela mão do seu destino. Até se ver de novo no ringue com George, não dormiu direito. Pelo caminho desfez por completo o futuro campeão mundial de pesos médios, Piero del Papa, e viajou pela primeira vez até à Europa onde, em Barcelona, espancou novamente sem piedade o desgraçado Piero e deixou Herbert Wick estendido no tapete sem dar acordo e si. De certa forma era como se estivesse a combater Foreman por interpostas pessoas. O rapaz de San Juan, na Argentina, afiava a sua ferocidade como quem afia uma lâmina de cutelo num pedaço de ferro.
No dia 10 de maio de 1971, toda a estrutura nervosa de Goyo Peralta estremecia. Um cabo de 100 volts atravessava-o dos pés à cabeça e o homem fervia de eletricidade concentrada. George decidira dar-lhe a hipótese de uma desforra. Ainda por cima estava em jogo o título de campeão da North American Boxing Federation, nada de especialmente extraordinário pois tratava-se de uma organização de combates regionais, mas tudo servia a Peralta para se motivar contra Foreman. Repetiram-se os dez rounds mas, desta vez, George parecia estar a ficar farto da obsessão que o argentino tinha por ele. Ao décimo assalto aplicou-lhe um gancho de tal forma devastador que Goyo ficou sem respirar alguns segundos, estendido no chão como um cartucho vazio de papel pardo.
Mais aniquilador do que o murro de Foreman foi a repetição da derrota que magoou Peralta até ao fundo da alma. Revia mentalmente, como num filme, os movimentos que utilizara para fugir à bigorna de George, o bailado contínuo na sua frente, ora fugindo pela direita ora pela esquerda, a rapidez com que evitara os golpes demolidores ao mesmo tempo que ia golpeando o adversário, aqui e ali, entusiasmando o público que enchera por completo o recinto de Oakland, Califórnia e que gritara alegremente o seu nome na expectativa de assistir a uma proeza formidável. Ainda assim, e mesmo que o tempo fosse passando inexoravelmente, como é seu hábito, gotas escuras de sangue magoado pingavam-lhe na alma. Decidiu fugir.
Espanha foi o destino de Gregorio Manuel Peralta, o boxeur do cabelo engraxado a brilhantina. Era suficientemente longe dos Estados Unidos, de onde saíra com o carimbo de derrotado, e igualmente longe da Argentina onde Goyo se convencera que lhe haviam perdido o respeito. Disputou dez combates no ano seguinte. Os primeiros oito, frente a gente como Jesse Billy Crown, Danny Machado, José Manuel Urtain, Gerhard Zech, Vernon McIntosh ou Leroy Caldwell, foram ganhos por KO, embora na sua maioria, os opositores fossem pesos médios.
De alguma forma percebeu que era longe dos Estados Unidos que se sentia bem. Mudou-se para a Alemanha e continuou a vencer. No dia 12 de maio de 1973 não resistiu a um punhado de dólares e viajou até Denver, no Colorado, para enfrentar Ron Lyle, no Denver Coliseum. Lyle era um tipo atrevido que haveria de desafiar Foreman e Ali a colocarem os títulos em jogo contra ele. A maldição americana voltou a castigar Goyo que perdeu aos pontos. Regressou à Alemanha, voltou a defrontar Lyle, empatando desta vez, e trocou uns golpes com Muhammad Ali num espetáculo de promoção antes de fechar a carreira. A imagem de Foreman continuou fixada na sua memória até o dia em que o Alzheimer a levou de vez. Ou, se calhar, até depois disso. Quando deixo de falar, o seu olhar aflito revelava muito do que sentia.