Páscoa com fiscalização e sem compasso

Impacto da semana de Páscoa na epidemia só poderá ser avaliado 15 dias depois. Igreja reforçou orientações às paróquias e Polícia vai intensificar patrulhamento.

A proibição de deslocação entre concelhos já está em vigor, a polícia promete intensificar patrulhamento e os pedidos são para que este ano, como em 2020, a Páscoa seja diferente. Ou pelo menos igual à do ano passado, em que o país estava confinado e a maioria dos portugueses ficou em casa e os que celebram a festividade em família alargada reduziram-se aos quartos de cabrito e borrego, por ser menos gente à mesa. Esta quinta-feira, último dia para sair do concelho, já houve quem rumasse para fora, com alguns momentos com filas à saída de Lisboa em direção a Sul. Por sua vez, o Secretariado Nacional de Liturgia divulgou as indicações às paróquias, já a começar por este domingo de ramos, que mais uma vez não é suposto ter as habituais procissões. «Haverá cuidado em evitar ajuntamentos dos fiéis. Os ministros e fiéis podem ter nas mãos um ramo de oliveira ou a palma, mas não é permitida entrega ou troca de ramos». Este ano as celebrações vão poder ter assembleia, mas mantém-se a suspensão de procissões e outras manifestações populares com o compasso.

De resto, a semana é de recolhimento domiciliário, com exceção para a aquisição de bens e serviços, trabalho e visitas a idosos. Restaurantes e cafés continuam fechados, com vendas ao postigo. O IPMA prevê uma semana com temperaturas a subir mas nem sempre céu limpo. Com as crianças de férias é expectável que os parques e marginais continuem cheios. Há um ano, a Páscoa foi mais tarde e a semana foi de chuva. Se o bom tempo pode ajudar mais do que quando o mau tempo concentra pessoas dentro de portas, até que ponto os portugueses poderão arriscar convívios mais alargados, mesmo no mesmo concelho, é a incógnita. Certo é que no ano passado por altura da Páscoa o confinamento era mais intenso do que é atualmente. Já um eventual impacto da semana de Páscoa só será percetível em termos de mais ou menos contágios após 10 a 15 dias, o tempo entre a incubação do vírus, sintomas e diagnóstico, que de resto é o que justifica que só entre esta semana e a próxima haja uma maior perceção do impacto do início do desconfinamento na semana passada, que até aqui não se tem refletido num aumento significativo de casos. Quer dizer que quando começar a segunda etapa do desconfinamento, será impossível saber de antemão se a semana da Páscoa trouxe mais ou menos contágios.

 

Avaliação na quinta-feira

Os dados disponibilizados pela Direção Geral da Saúde nos boletins diários de acompanhamento da epidemia mostram que nos últimos sete dias foram diagnosticados no país 3075 casos de covid-19, contra 3471 na semana anterior., uma descida de 11%, já inferior à das últimas semanas. No Alentejo e no Algarve verificou-se uma subida de casos e no início da semana também havia sinais disso no Norte, mas o balanço dos últimos dias foi inferior. Por outro lado, o número de testes rápidos, que descolou na semana passada, voltou a baixar nesta. Na próxima semana (ver ao lado) a nova comissão de coordenação da testagem da covid-19 volta a reunir-se na terça-feira num grupo restrito e na quinta-feira, podendo já fazer novas propostas para aumentar testagem. A positividade até aqui mantém-se baixa, abaixo dos 2%, o que dá uma indicação de que serão menos as infeções que passam despercebidas do que nos últimos meses. Por outro lado, começa a haver entre os peritos que acompanham a epidemia algum receio do impacto que a generalização dos testes rápidos, sobretudo quando começarem a ser vendidos sem prescrição nas farmácias, possam ter na monitorização deste indicador – uma das linhas vermelhas adotadas pelo Governo – se não forem reportados todos os positivos e negativos, já que a positividade, que não deve estar acima de 4%, resultado do cálculo dos positivos sobre todos os testes feitos e pode deixar de haver controlo sobre isso.

O Governo apontou para a próxima quinta-feira uma decisão sobre a próxima etapa do desconfinamento. A partir de 5 de abril, segunda-feira após a Páscoa, está previsto abrirem as escolas para alunos do 2º e 3º ciclo, lojas até 200 m2 com porta para a rua, esplanadas de restaurantes e cafés (até quatro pessoas por mesa). Seria também a semana de retoma de feiras e mercados não alimentares e da abertura de museus, monumentos, palácios, galerias de arte e similares, da autorização de atividade física ao ar livre até 4 pessoas e ginásios sem aulas de grupo bem como o regresso de modalidades desportivas de baixo risco, que ainda não foram definidas.

Na próxima semana, DGS e INSA terão dados de mais uns dias para entregar ao Ministério da Saúde, mas sobre o efeito da Páscoa e em que ponto estará o risco de contágio quando se chegar à segunda-feira de reabertura das escolas para alunos mais velhos e restantes atividades terá de assentar em projeções de uma evolução que em grande medida depende de comportamentos. A opção poderá ser manter o plano como está ou, por precaução, retirar algumas alíneas do plano de desconfinamento, sendo que a prioridade assumida pelo Governo até aqui têm sido as escolas. A ministra de Estado e da Presidência Mariana Vieira da Silva anunciou ontem que o teletrabalho é para manter até ao fim do ano, mesmo sem estado de emergência, que esta semana o Governo admitiu que deverá ser renovado pelo menos até maio. Quanto aos planos para a segunda etapa do desconfinamento, Vieira da Silva disse haver condições para continuar a conta-gotas e que só uma “evolução muito significativa” obrigaria a recuar na reabertura.

Não está prevista uma reunião do Infarmed, que só deverá acontecer na semana depois da Páscoa. Ainda assim, há linhas vermelhas para a avaliar e o Governo não explicitou como isso será feito. ‘É evidente que impacto da Páscoa, e vai depender de os portugueses ficarem em casa ou terem uma Páscoa clandestina, só se vê 15 dias depois mas isto é sempre muito gradual e a subida do risco de transmissão que temos visto começou há mais tempo e tem aumento com a mobilidade”, diz ao Nascer do SOL Manuel Carmo Gomes, que defende uma avaliação dos diferentes indicadores fechados pelo grupo de trabalho antes de uma decisão, não só os que são conhecidos, como incidência e RT, mas também todos os indicadores secundários: além da positividade, a percentagem de casos e contactos isolados e rastreados nas primeiras 24 horas após a notificação e percentagem de casos confirmados notificados com atraso. Esta semana, na reunião do Infarmed, André Peralta Santos mostrou que estes indicadores têm tido até aqui uma evolução positiva.

Se uma Páscoa ‘clandestina’ pode acelerar a transmissão, o impacto de maiores contactos nesta fase será à partida menos abrupto do que aconteceu no Natal. Na altura o país estava com uma incidência a 14 dias por 100 mil habitantes 509,2 casos por 100 mil habitantes, com uma estimativa de mais de 3 mil contágios por dia. Foram também semanas sucessivas de feriados com menos testes e a positividade estava em níveis superiores, a caminhar para os 20%, sinal que a malha de deteção não estava tão apertada. Na próxima semana também há um feriado, o que pode influenciar a testagem. Neste momento os dados dos boletins da DGS permitem estimar que esta sexta-feira o país atingiu uma incidência cumulativa a nível nacional de 63 casos por 100 mil habitantes, sendo pela primeira vez desde o verão inferior a 30 casos por 100 mil habitantes a sete dias. Os números da DGS publica são superiores, pois distribuem os casos pela data de diagnóstico, enquanto que nos boletins entram todos os casos comunicados à DGS no espaço de 24 horas de cada dia. Mas esta é pelo menos uma ideia de como se parte para uma semana de risco.