Van Basten, do sol à sombra num piscar de olhos

Marco Van Basten foi a cara dos anos dourados da seleção holandesa, passando pela ‘laranja mecânica’ durante a sua primeira e única vitória no Campeonato Europeu, em 1988. Os problemas no tornozelo, no entanto, cortaram a sua carreira a meio, e os anos que se seguiram foram turbulentos.

Marco Van Basten brilhou durante os seus anos no Ajax e no AC Milan, tendo vencido três bolas de ouro (1988, 1989, 1992), além de seis campeonatos nacionais, duas Ligas dos Campeões, uma Taça das Taças, duas Supertaças europeias, duas Taças Intercontinentais e um Campeonato da Europa, com a seleção nacional holandesa, durante os seus anos dourados. Johan Cruijff – com quem Van Basten chegou a partilhar o relvado em várias ocasiões – tinha levado o Ajax ao peito durante a década de 60, e novamente nos inícios da década de 80. Agora, no entanto, era a vez de uma nova geração dourada: Van Basten, Frank Rijkaard e Ruud Gullit, que formaram o trio de olandesi do AC Milan, naquela altura propriedade de Sílvio Berlusconi, que pegou nos seus milhões e foi buscar o que de melhor havia na Europa.

Mas o cisne de Utrecht caiu tão rápido como se ergueu nas grandes ligas. Num ano era considerado o melhor jogador do mundo pela UEFA, no seguinte não era capaz de dar um pontapé numa bola, devido a uma incessante e dolorosa lesão no tornozelo, que o acompanhou durante toda a sua carreira e levou ao seu abrupto fim, antes dos 30 anos, banhado pelas lágrimas de milhares de adeptos do AC Milan, que faziam fila para encontrar soluções que evitassem a saída do holandês.

A vida de Van Basten é, no mínimo, de novela, fustigada com tragédia e sofrimento. Desde a infância, quando assistiu à morte do seu amigo Jopie, com apenas sete anos, até às repetidas suspensões da sua carreira futebolística devido a operações e dificuldades associadas ao seu tornozelo, passando ainda por um conflito com investimentos e com o fisco no início do milénio, que lhe fizeram perder milhões de euros. Van Basten, que levou a seleção holandesa à vitória no Europeu de 1988, ainda surge frequentemente nas listas de melhores jogadores de sempre, e teve o infeliz destino de morrer jovem como atleta, tendo tentado – sem grande sucesso – a sua sorte como treinador, e vivendo, ainda hoje, incapaz fisicamente de jogar futebol, fruto de anos e anos de pressão sobre um tornozelo que não dava tréguas.

 

‘Tornozelo’ de Aquiles

Ao jornal britânico The Guardian, Marco Van Basten relata que os problemas começaram em 1986, numa partida do Ajax, em que Johan Cruijff, o seu grande ídolo de infância – e naquele momento orientador da equipa – insistiu que jogasse de qualquer forma, independentemente das dores e dos problemas de tornozelo, e ignorando por completo as recomendações da equipa médica do clube. Este poderá ter sido o início do fim. Van Basten manteve-se em campo nos anos seguintes, ignorando as dificuldades associadas à sua lesão, e passando por períodos intercalados fora do relvado devido ao mesmo problema. Ainda assim, continuou sempre, apesar das dificuldades, a brilhar, o que valeu ao Ajax dois campeonatos nacionais.

Foi no AC Milan, no entanto, que o holandês teve os momentos altos da sua carreira. Na chegada a Itália, realizou uma operação para tentar diminuir os danos feitos ao tornozelo, mas teve pouco sucesso. Estava feito o dano irreparável. Ainda nestas condições, foi crucial para os rossoneri, acompanhado pelo compatriota Ruud Gullit, levando o duo – que depois se transformaria em trio, com Frank Rijkaard – o Milan ao topo da liga italiana, após nove anos de secura, com especial ênfase na vitória fora de casa contra o Nápoles de Maradona, a 1 de maio de 1988.

Van Basten chegou ainda – por pouco, devido, novamente, a dificuldades com o tornozelo – ao Campeonato Europeu de 1988, onde, mais uma vez, foi peça-chave para a primeira – e única – vitória da seleção holandesa nesta competição. Os laranjas estavam desesperados por recuperar as glórias da geração de Cruijff, e Van Basten pareceu responder às suas preces. O jovem, que fora operado pouco tempo antes ao tornozelo, fez um hat-trick frente à Inglaterra na primeira ronda do campeonato, praticamente humilhando Tony Adams, ídolo da época do Arsenal. Mais tarde, Van Basten deu a vitória à seleção nas meias-finais, contra a Alemanha Ocidental, com um golo nos últimos minutos da partida. E, finalmente, na mítica final contra a União Soviética, chegou onde o jovem jogador fez aquele que provavelmente é um dos golos mais bonitos da história do futebol, fechando o marcador contra os soviéticos por dois a zero e dando aos Países Baixos o título de campeão europeu.

A lenda de Van Basten, Rijkaard e Gullit, no entanto, não se ficou por aí, tendo a vitória na liga italiana, em 1989, sido só o começo de um período de glória para os rossoneri. Na temporada de 1988/89, o trio de olandesi liderou os italianos ao título da Liga dos Campeões, conquistado na final frente ao Steaua de Bucareste, por quatro a zero. Dois golos de Van Basten e dois golos de Ruud Gullit.

O feito repetiu-se na temporada seguinte, tornando-se o Milan bicampeão europeu, graças ao brilho deste trio holandês, que parecia não falhar, apesar da constante preocupação de Van Basten com o seu tornozelo, que mais tarde viria a cobrar o esforço sobre ele colocado.

Finda a época dourada no Milan, seguiram-se anos difíceis para o holandês, que entre 1992 e 1993 foi submetido a mais duas cirurgias e acabou por dar como terminada a sua carreira após a final da Liga dos Campeões de 1993, que o Milan perdeu para os franceses do Marselha.

Dois anos e várias cirurgias depois, retirava-se do futebol profissional, fruto da sua incessante lesão no tornozelo, que o levava a passar noites em agonia, contando os segundos que demorava para se arrastar durante da cama à casa de banho, como conta ao Guardian.

Aos 30 anos, acabava a carreira do holandês como jogador profissional. Despedia-se, na altura, dando uma volta simbólica ao relvado do San Siro, com grande dificuldade, frente a mais de 80 mil adeptos, debaixo das lágrimas de Fabio Capello, técnico dos rossoneri, e de Adriano Galliani, vice-presidente do emblema, que declarou num tom solene: «O futebol perdeu hoje o seu Da Vinci». A negação e a vontade dos tiffosi de ver Van Basten no relvado era tanta que, reza a lenda, Paolo Simonetti, um adepto de 21 anos, entrou em contacto com a equipa médica do clube, oferecendo a Van Basten a sua própria cartilagem, para permitir ao holandês continuar a jogar. Um pedido que, apesar de demonstrar o afeto que os adeptos do clube tinham pelo holandês, não teria maneira de acontecer.

Mais tarde, Marco Van Basten voltaria aos relvados, no lugar do treinador. Começando pelos juvenis do Ajax, progrediu para a seleção nacional holandesa, onde esteve durante quatro anos, e tem passado por outros clubes holandeses desde então. Esta fase, no entanto, não trouxe grandes glórias ao técnico, que vive agora das memórias e dos grandes feitos como jogador nos seus gloriosos anos 80.

 

O Lobo de Utrecht

Ainda assim, a maior mudança na sua vida, neste período de transição entre jogador e treinador, prende-se com outro tema: dinheiro.

Em 1999, fora dos holofotes do futebol internacional, Marco Van Basten investiu 20 milhões de euros num banco holandês. Poucos anos depois, em 2002, esse valor estava reduzido a 13 milhões, ao mesmo tempo que o fisco lhe exigia mais 32,8 milhões de euros. A história é contada na biografia Frágil, a minha história, onde o holandês relembra os momentos apertados por que passou, durante e após a sua vida no futebol. As exigências do fisco foram a espinha final na garganta de Van Basten, que perdera já sete milhões de euros nos seus investimentos, fruto da crise económica que se fazia sentir naquele momento, e do impacto global dos atentados do 11 de setembro. Enfrentava naquela altura uma multa gigantesca no seu país natal, relativa ao regresso, em 1998, após uma longa estadia no Mónaco, com 100% de juros. Van Basten não só não tinha os 32,8 milhões de euros exigidos pela autoridade tributária, como tinha ainda perdido sete dos vinte milhões investidos anteriormente. Segundo conta no seu livro, no entanto, conseguiu um acordo, em 2005, com as autoridades holandesas, que evitou, por pouco, que Van Basten e a sua família entrassem em insolvência.