À caça da verdade na pandemia

Desinformação, mitos que se tornaram virais, afirmações que não envelheceram bem. Nunca se escreveu tanto sobre uma pandemia, mas há coisas que simplesmente ainda não se sabem.

À caça da verdade na pandemia

O mercado de Wuhan ou os mercados de Wuhan

Um ano depois, ainda há mais perguntas do que respostas sobre o momento e local em que o SARS-CoV-2 terá começado a infetar humanos e a transmitir-se de pessoa para pessoa. Ao longo dos últimos meses ganhou força a tese de que o vírus poderia ter escapado do Instituto de Virologia de Wuhan, que investigava o coronavírus. As conclusões da investigação promovida pela Organização Mundial de Saúde, divulgadas esta semana, consideram que a tese do laboratório é «extremamente improvável» mas o assunto não é dado como encerrado. Os peritos consideram que a tese mais provável é que o vírus tenha começado a espalhar-se nos mercados que vendem animais vivos. Mas se no início os primeiros casos foram ligados ao mercado de Huanan, um mercado com 50 mil metros quadrados em Jianghan, no coração da cidade, não é claro que tudo tenha começado ali. Dos casos iniciais confirmados na China em dezembro de 2019, 28% tinham ligações a este mercado e 23% a outros mercados e 45% não tinham ligação.

Afinal transmite-se 

Nas primeiras semanas de janeiro de 2020, as posições das autoridades de saúde foram de que não havia evidência de que o vírus fossem transmitido de pessoa para pessoa. Era a versão oficial na China, embora houvesse vozes dissonantes.  Nas epidemias MERS e SARS, o contágio tinha sido limitado. A 15 de janeiro, Graça Freitas desvalorizou por isso o risco de o vírus chegar cá, declaração muitas vezes repescada ao longo dos últimos meses. Foi a 21 de janeiro que a OMS alertou para a transmissão sustentada entre pessoas. Só em junho a OMS viria a reconhecer transmissão assintomática, que hoje se acredita que potenciou a propagação mundial.

Acaba tudo no dia 18 de julho 

Prever um dia em que acaba a pandemia seria motivo para levantar dúvidas, mas no fim de abril multiplicaram-se as notícias de que um estudo da Universidade de Tecnologia e Design de Singapura previa o fim da pandemia em diferentes países. Em Portugal, calharia a 18 de julho. Não aconteceu. Quando acaba? Ninguém sabe ao certo. Quanto mais pessoas estiverem vacinadas, à partida menor risco de desenvolver covid-19 com complicações, mas os cientistas duvidam que o vírus venha a ser eliminado e as novas variantes que escapem aos anticorpos podem atrasar o processo que levará a covid-19 de pandemia a epidemia sazonal, como a gripe. Apesar de parecer que passou muito mais tempo, a pandemia de gripe A, em 2009, que teve vacinas mais cedo, só foi declarada terminada pela OMS um ano e oito meses depois de ser declarada, em agosto de 2010.

A culpa é do 5G

«Os vírus não conseguem viajar em ondas de rádio e telecomunicações. O vírus está a espalhar-se em muitos países que não têm redes 5G». A explicação é da OMS, que desde o início da epidemia tem uma página dedicada a desfazer os mitos da covid-19. Restando dúvidas, pelo menos em Portugal, sem antenas 5G, a covid-19 também não se terá espalhado mais depressa por isso.

Conter a respiração 10 segundos
Levante a mão quem nunca fez o ‘teste’, ao início apontado como a técnica japonesa para se saber se estava infetado com o vírus. Quem aguentasse conter a respiração sem tossir estava safo. Não se encontra a origem da recomendação, que de resto esbarra na ideia de que se pode estar infetado sem ter sintomas e que há mesmo casos de «hipoxia silenciosa» na covid-19: pessoas com a oxigenação do sangue comprometida e que não sentem qualquer falta de ar. Uma análise de 44 estudos publicada este mês cocluiu que a maioria do sintomas e sinais são de fraca previsão para a covid-19 em termos de diagnóstico clínico, sendo a excepção a perda de olfacto e paladar.

Onde nos infetamos

Em novembro, uma apresentação feita pelo primeiro-ministro fez correr tinta: para limitar convívios ao fim de semana, a justificação foi que 68% dos contágios ocorriam em convívio familiar, 12% em meio laboral, 8% em lares, 3% nas escolas, 3% no convívio social e 1% nos serviços de saúde. Foi clarificado mais tarde que só tinha sido estabelecida ligação em epidemiológica em 18% dos casos. Na última vaga, milhares de inquéritos epidemiológicos não chegaram a ser feitos. Ainda assim, a evidência internacional, revista num estudo recente publicado na JAMA, estimou que uma em cada seis pessoas foi infetada no próprio ambiente doméstico por um familiar. Já a ideia de que a transmissão através de superfícies tem sido descartada como via relevante para a evolução da pandemia. No início, vários estudos tentaram quantificar quanto tempo o vírus poderia permanecer em objetos. Num deles, estimava-se que pudesse sobreviver até nove dias em maçanetas e corrimão. Afinal, mesmo que sobreviva, será raro resultar numa infeção.

Dois metros flexíveis

Fizeram-se experiências sobre a que distância se poderiam projetar gotículas com o vírus, que falar mais alto poderia também levar a uma maior projeção mas recomendações da pandemia têm rondado sempre o 1 a 2 metros de distanciamento. Porquê? Em agosto, um artigo no British Medical Journal alertou que o conceito está desatualizado e que depende do contexto e as outras medidas a distância a manter, já que o vírus pode viajar oito metros. Em julho, a DGS recomendou um metro de distância nas escolas portuguesas, onde a logística acabou por ditar a aplicação. Nos EUA, a recomendação passou agora a ser essa também, com uso máscara e testagem regular.

O vai e vem das máscaras

Na China foram imediatamente impostas mas ao início não foram uma recomendação generalizada no mundo ocidental. «Não há nenhuma evidência específica que sugira que o uso de máscaras pela população em massa tenha um potencial benefício. Na realidade, há evidência que sugere o oposto pelo uso inadequado de máscaras», afirmou em março do ano passado Mike Ryan, um dos rostos da resposta à epidemia na OMS. Em abril, a OMS abriu as portas à recomendação para o uso generalizado de máscara, mantendo que deviam ser priorizadas para profissionais de saúde. As referências do uso de proteções faciais em epidemias remontam ao século XIV. Tem havido diferentes estudos sobre o impacto no controlo da epidemia, que estimam que o uso generalizado pela população, mesmo não sendo as máscaras uma barreira totalmente eficaz, reduz a transmissão. Entre distanciamento, confinamento e máscaras, os investigadores acreditam também que as medidas covid-19 explicam o que foram, até agora, os meses com menos de circulação de gripe de que há registos.