Casas de luxo com os nossos impostos

Quando Medina e a CML compram prédios muito caros à Segurança Social e acabam a fazer apartamentos que custam 400.000 euros, viola uma série de regras legais e de boa gestão.

Causou espanto a notícia de que a Câmara Municipal de Lisboa andava a construir casas para colocar em renda acessível com o custo unitário de 400.000 euros, mas só pode espantar quem ande distraído.

Em 2017, ano das eleições autárquicas, Fernando Medina prometeu construir entre 5.000 e 7.500 casas para colocar no mercado com renda acessível. A Câmara cedia 16 terrenos municipais dispersos pela cidade e os construtores privados faziam as casas, ficando com uma parte para colocar no mercado livre e a outra parte para arrendamento acessível. Sem surpresa, os concursos ficaram desertos e os construtores privados não se mostraram interessados em fazer esses prédios. Acresce que o Tribunal de Contas também veio a chumbar o primeiro contrato que foi celebrado entre CML e privados (para construir na Rua de S. Lázaro) por considerar que era uma Parceria Público Privada encapotada.

Confrontado com o chumbo do Tribunal de Contas e o desinteresse dos construtores privados, mas pressionado pela necessidade de anunciar habitação para a classe média, Fernando Medina valeu-se da sua boa relação do Governo para uma manobra bastante audaz.

A Segurança Social era proprietária de património valioso e foi persuadida a vendê-lo à Câmara de Lisboa. Com efeito, os prédios em causa ficam situados na Av. da República, a segunda artéria mais cara da cidade, a seguir à Av. da Liberdade. Esses imóveis foram vendidos à CML a um preço abaixo do valor de mercado (com prejuízo para os cofres públicos) facto que mereceu a reprovação do Tribunal de Contas, conforme notícias publicadas em 2020.

Mas, se a Segurança Social vendeu a preço mais baixo do que era suposto, podemos então dizer que Fernando Medina e a câmara fizeram um grande negócio? A verdade é que não.

Suponhamos uma hipótese académica: a Câmara quer dar uma solução de mobilidade a 10 famílias e tem 200.000 euros para gastar. Pode fazer duas coisas: comprar um Ferrari para uma das famílias e mandar as outras nove famílias andar a pé; ou pode comprar 10 carros Opel e gastar 20.000 com cada viatura.

Poderíamos dizer que era igual porque só gastavam 200.000 euros. Mas é falso, por três motivos: em primeiro, o Estado está impedido de fazer gastos sumptuários. Em segundo lugar, está obrigado a tratar os cidadãos igualmente. Em terceiro lugar, está obrigado a fornecer o bem de forma digna ao maior número de pessoas que conseguir.

Quando Fernando Medina e a CML compram prédios muito caros à Segurança Social (porque se situam numa zona premium) e acabam a fazer apartamentos que custam 400.000 euros cada um (somando custo de aquisição e reabilitação), viola uma série de regras legais e de boa gestão.

Em primeiro lugar, é uma despesa sumptuária. Em segundo lugar, viola o princípio da igualdade: haverá munícipes a viver em casas municipais em Chelas e outros a viver em casas municipais na Av. da República. Em terceiro lugar, com a verba que vão gastar, estavam obrigados a providenciar o quadruplo ou quíntuplo das casas (mais baratas).

Acresce um último motivo de justiça social: quantos lisboetas que pagam através dos seus impostos estas casas de renda acessível, vivem em casas de 400.000 euros?

A situação é tão grave que merece certamente atenção redobrada do Tribunal de Contas.