A reabertura do país passa a partir desta segunda etapa, que arranca na segunda-feira depois da Páscoa, a poder ter diferentes velocidades no país. O Governo avalia e decide esta quinta-feira em Conselho de Ministros as medidas para a próxima quinzena e se é necessário haver os primeiros ajustes no plano de desconfinamento apresentado a 11 de março. E apesar de por todo o país as esplanadas se prepararem para abrir e da Câmara de Lisboa e mesmo a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) ter anunciado antes de qualquer anúncio formal do Governo que museus, monumentos e palácios nacionais reabrem a partir de 5 de abril com entradas grátis ao fim de semana, o país pode não prosseguir já para a nova etapa ao mesmo ritmo.
As linhas vermelhas foram anunciadas pelo Governo há três semanas e, em termos gerais, o país está dentro da zona confortável, com uma incidência a nível nacional abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes e um RT que, segundo os cálculos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, converge para 1 mas ainda não atingiu esse valor. Portanto, na matriz de risco apresentada pelo primeiro-ministro, o país está na zona verde. O Ministério da Saúde confirmou no entanto ao Nascer do SOL que o Governo adotou um modelo em que o desconfinamento é desbloqueado nos concelhos com uma situação epidemiológica mais favorável, podendo ficar suspenso caso se esteja na zona laranja (uma incidência cumulativa a 14 dias superior a 120 casos por 100 mil habitantes) ou recuando se se alcançar a zona vermelha (mais de 240 casos por 100 mil habitantes), o que será aplicado a nível concelhio.
Se no ano passado já tinha vigorado o sistema de análise de risco por concelho, há agora uma outra novidade: o cálculo de incidência usado para tomar decisões passa a ser feito de forma a ponderar o risco de concelhos vizinhos e ao mesmo tempo corrigir o efeito da densidade populacional neste indicador – num concelho com poucos habitantes, relativamente poucos casos poderiam colocar o município imediatamente no vermelho. Na prática, para corrigir este efeito, deixa de ser usada a incidência a 14 dias calculada estritamente em função dos novos casos e a população de cada concelho, passando a ser feito um cálculo que engloba concelhos limítrofes.
A ideia foi sugerida pela equipa da Administração Regional de Saúde do Norte que apresentou a proposta de um plano de desconfinamento a pedido do Ministério da Saúde, liderada por Óscar Felgueiras e Raquel Duarte. Ao Nascer do SOL, o Ministério da Saúde adiantou as linhas gerais de como serão tomadas as decisões daqui para a frente e remeteu para esta quinta-feira decisões e anúncios: «A matriz de risco, conjugando dois critérios (incidência e transmissibilidade), permite ir acompanhando a evolução da situação epidemiológica a nível do continente. Se evoluirmos para a zona amarela, o processo de desconfinamento poderá não avançar de acordo com os calendários previstos. Se evoluirmos para a zona vermelha, poderá mesmo ter de haver um recuo nas medidas de desconfinamento. No caso de ser necessário tomar tais decisões – paragem ou recuo –, elas aplicar-se-ão apenas aos concelhos de maior risco, em função da respetiva incidência concelhia corrigida pela incidência dos concelhos limítrofe».
Incidências dos boletins não permitem antever travões
Na atualização da incidência cumulativa a 14 dias por concelho disponibilizada pela DGS esta segunda-feira havia 32 concelhos acima do limiar de 120 casos por 100 mil habitantes, a tal zona laranja, nove dos quais com mais de 240 casos por 100 mil habitantes.
No entanto estes já não serão já os dados apreciados esta quinta-feira pelo Governo. A DGS tem mantido a metodologia de atualizar às segundas-feiras o cálculo de incidência cumulativa a 14 dias por município mas com referência aos casos reportados até ao início da semana anterior. E já no ano passado as decisões eram tomadas pelo Governo com cálculos mais atualizados, da semana corrente. Assim, essa lista que coloca 32 concelhos acima do patamar de 120 casos por 100 mil habitanes refere-se ao que era a situação epidemiológica do país no dia 23 de março. Entretanto a incidência de novos casos de covid-19 a 14 dias continuou a baixar em todo o país, embora se note nos últimos dias um aumento de diagnósticos.
Por outro lado, passando a ser usado um cálculo de incidência ajustada, o facto de um concelho aparecer com mais de 120 ou com mais de 240 casos por 100 mil habitantes nos boletins da DGS pode não significar que venha a ter um travão no desconfinamento pois pode dar-se o caso de, ponderando os concelhos limítrofes, esse efeito ser diluído. Já um concelho aparentemente abaixo do limiar de risco que esteja rodeado de outros com forte atividade epidémica pode ver-se acima desse patamar. Com a atual situação epidemiológica, serão poucos os concelhos nessa situação e sobretudo na zona Sul do país, que de resto já é também a única no país em que o INSA calcula um RT superior a 1. Já a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa calcula um RT superior a 1 a nível nacional desde a semana passada e há alguma apreensão entre os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL quanto ao facto de esta ser uma semana atípica e em que pode haver, apesar das regras, maior mobilidade. Na última edição, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes admitiu também apreensão com as conclusões de uma modelação das hospitalizações para os próximos meses já tendo em conta a evolução da cobertura vacinal e a variante inglesa dominante, mais transmissível, e que sugere que um desconfinamento ao nível do outono já nesta primavera, com abertura total das escolas, não evitaria uma quarta vaga em maio. O Ministério da Saúde não esclareceu se este estudo, a primeira modelação do impacto que pode ter o desconfinamento no país em função da percentagem de pessoas vacinadas, foi analisado e se pode motivar alguma alteração no plano de vacinação ou no plano de desconfinamento.
O Nascer do SOL procurou também perceber se passarão a ser publicados regularmente todos os indicadores definidos como linhas vermelhas pelo grupo de trabalho que juntou peritos da FCUL, INSA e DGS: além da incidência e RT, a taxa de positividade, a percentagem de casos e contactos isolados e rastreados nas primeiras 24 horas após a notificação e a percentagem de casos confirmados notificados com atraso. O Ministério da Saúde indicou que diariamente, através do boletim da covid-19, são revelados os principais indicadores, não esclarecendo se os restantes passarão igualmente a ser publicitados.
Havendo um travão no descofinamento já nesta etapa, uma das decisões terá de passar sobre se é total ou se algumas atividades reabrem na mesma, sendo que o Governo tem apontado até aqui como prioridade a retoma da atividade escolar. Para a próxima semana é a vez de voltarem à escola os alunos do 2º e 3º ciclo e 15 dias depois, na terceira etapa do desconfinamento, alunos do secundário e superior.
Testagem massiva ainda não descolou
Os primeiros dias da semana foram marcados por uma subida de diagnósticos face à semana passada, sendo que ontem não havia ainda dados disponíveis sobre o número de testes feitos nos últimos dias. Com escolas fechadas e feriado na sexta-feira, poderão ser menos e o efeito da Páscoa tanto na testagem como num aumento de contágios só será mensurável já após o início da segunda etapa do desconfinamento.
Na semana passada os testes baixaram e, à exceção da primeira semana de desconfinamento, ainda não houve um salto significativo na testagem. Portugal mantém a menor taxa de incidência de novos casos a nível europeu e uma positividade também abaixo dos 2%, mas há países com positividades menores e a testar mais.
Segundo o último relatório semanal do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, referente à semana de 15 a 21 de março, a primeira de reabertura, o país foi o 17º da UE a fazer mais testes por 100 mil habitantes e na semana passada terá voltado a descer de posição. Nessa última semana, com dados comparáveis a nível europeu, Portugal fez cerca de 2500 testes por 100 mil habitantes. Na Dinamarca, um dos países dados como referência na testagem massiva, fazem-se mais de 30 mil testes por 100 mil habitantes numa semana. Na Áustria mais de 20 mil.
Em ambos os países, o acesso a testes regulares é gratuito para a população. Em Portugal, ainda não há novidades sobre a comparticipação de testes além dos rastreios periódicos previstos em setores como lares e escolas. Já esta quarta-feira começaram a ser vendidos testes para fazer em casa nas parafármacias do Pingo Doce e em breve deverão chegar às farmácias. Um dos alertas do ECDC foi já para a necessidade de haver mecanismos de notificação de resultados positivos e negativos, pois o acesso a testes sem prescrição pode interferir com o cálculo da positividade, um dos indicadores que permite acompanhar a situação epidemiológica (resulta do total de positivos no total de testes feitos no país). Outra preocupação é o acesso equitativo. DGS, Infarmed e INSA, numa resposta conjunta ao Nascer do SOL, indicaram ontem que a plataforma para a notificação online de resultados, prevista na portaria que regulamentou o uso de auto-testes, será disponibilizada «oportunamente». Neste momento o procedimento a seguir por quem compre um teste para fazer em casa e tenha um resultado positivo ou inclusivo é ligar para a linha SNS24.